Há aproximadamente dez dias, numa noite fria destes tempos difíceis, encontrava-me na casa de um amigo, e aproveitei a oportunidade de assistir a um debate na TV fechada (paga), no canal da O.A.B. (Ordem dos advogados do Brasil), onde uma advogada debatia os problemas da repressão policial nas periferias, permeando e comentando trechos do filme (que ainda não vi) "Tropa de Elite". Bastante exaltada, e do alto de uma espantosa empáfia, talvez justificada pelo conhecimento que ela julgasse ser detentora, bradava com naturalidade as ações repressivas da polícia em áreas de extrema pobreza, sempre apoiada numa definição que repetia reiteradamente para agregar legalidade a tais atos: ..."a polícia é um órgão público de contenção social." Da baixeza do meu parco conhecimento, me senti extremamente incomodado com tal definição. Do prisma do conhecimento científico, catalogado, positivado, esse termo até que se justifica, e de tanto ouvir frases prontas e chavões o ouvido até que se acostuma. Mas, se nos concentrarmos um pouquinho, pararmos a correria diária pela sobrevivência por uns segundos, e nos atermos para o significado real da declaração, a mesma soa ofensiva para quem está do lado de baixo (base) da pirâmide social – não aquela que desenhávamos e interpretávamos nas aulas de geografia ou E. P. B. (Estudos dos Problemas Brasileiros) para os mais antigos – e sim a base achatada, oprimida e inerte dos brasileiros que trabalham apenas para comer! Conter quem? Por que? E, para quem se beneficiar? É aí que começa a nó da questão, professora. Um dos princípios mais importantes da ciência do Direito diz que todo cidadão é inocente até que se prove o contrário, ficando o dever de provar para quem acusa. Hipocrisias à parte, para o policial e para boa parte da sociedade, este princípio se inverteu. Todo morador de áreas críticas, de extrema pobreza, é visto como potencial delinqüente, não raro, ouve-se comentários depreciativos ao povo que reside em morros, cortiços e favelas; nesses agrupamentos sub-normais "todo mundo é culpado, desde que se prove o contrário". O morador de periferia é induzido a manter diariamente uma conduta irrepreensível, e qualquer deslize, é potencializado pelo preconceito ou pré-julgamento.
Vivemos num momento cultural onde cada indivíduo vale o que consome, e o Estado Providência (que deveria assistir o menos favorecido), ao menos cumprindo as obrigações constitucionais (quando elenca os direitos sociais à educação; saúde; trabalho; moradia; lazer; segurança; previdência social; etc, como sua responsabilidade), é relegado em detrimento do Estado Policial e repressivo. Posto isto, chega-se facilmente à conclusão de que a tal "contenção" social, diz respeito a um órgão público (que deveria atender à maioria), a serviço de uma minoria abastada, que teme pela revolta, rebeldia e violência de uma massa que não têm nada a perder. Se visitarem as cadeias (espaço físico destinado meramente a tirar do convívio social indivíduos que delinqüiram), constatarão que lá a população carcerária é constituída, em sua quase totalidade, por gente oriunda destas áreas de extrema pobreza. Parafraseando aquele provérbio antigo: "ao suburbano não basta ser honesto e passivo, deve parecer honesto e passivo." Apesar de bombardeado diuturnamente por uma ávida e feroz indústria do consumo, através de todas as mídias, e saber que jamais poderá usufruir daquilo que lhe escancaram, deve permanecer dócil, e conformar-se com sua condição inferior, sempre contido por quem é pago indiretamente pelo seu imposto cobrado obrigatoriamente (conforme pesquisas publicadas esporadicamente, quem paga mais impostos e tributos no Brasil, são as pessoas menos favorecidas). A mídia e os órgãos oficiais, estrategicamente, tratam de rotular todo o povo pobre de alguma maneira peculiar, seja pela classe social, pela cor da pele, pelas preferências artísticas, pela localização geográfica, etc., como uma tribo problemática e sem anseios, porém, como definiu sabiamente o rapper Mano Brown: "cada favelado é um universo em crise", e cabe a polícia "conter" e monitorar essa crise, daí o erro total de agressão mútua entre iguais (policiais e pessoas oriundas da mesma classe social), para benefício e regozijo de quem assiste a tudo lá do alto, formulando teorias mirabolantes e vomitando uma profusão de falácias. Certa vez, um adolescente infrator acusado de cometer um pequeno delito era abordado por mim, e aproveitava para desabafar enquanto era averiguado, tecendo o seguinte comentário: "seu Djalma, o senhor eu respeito que venha me abordar e me investigar, o senhor usa sapato e me respeita, mas seu parceiro vem querer me prender usando Nike doze bolhas, aí é falta de respeito, quer me prender e é igual eu, tá tirando a favela..." Só entenderá essa passagem, quem conhecer profundamente a sociedade, e o que os dessasistidos esperam dela. "Só quem sabe onde é Luanda saberá me dar valor", um abraço afetuoso!
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5 comentários:
Obrigada pela atenção Djalma. Sei texto é instingante e não contém os chavôes costumeiros.Sou professora na periferia de Curitiba, essa cidade cantada em versos e prosa com símbolo de civilidade esconde sua miséria em baixo do tapete como tantas outras. Imprimi sua resposta, levei para sala de aula e li para meus alunos eles ficaram positivamente impressionados, queriam conhecê-lo, fazer-lhe perguntas. Passei o end. de sei blog para eles por isso te peço não deixe de escrever, creia vc está ajudando a desconstruir a cultura do medo e da vingança gratuita.
Boa sorte meu filho, sei que seu livro há de ser publicado.
Até breve!
Orra mêu voltou com tudo. Sei bem o que ce tá dizendo do doze bolhas e do sapato. Tem muito nego folgado na policia e isso estraga o trampo dos caras bons...
A dona Carla levou seu post na aula e deu o end do seu blog pra gente. aqui em curita o bicho pega tb. Bom saber que nem todo policia tá do lado do mal.
Que que ce achou do tropa de eleite?
Sou policial civil tb. Confesso que fiquei azucrinado qdo li seu blog (que foi indicado pela minha namorada)o que os parceiros tão achando disso tudo?
"Vivemos num momento cultural onde cada indivíduo vale o que consome".
"Há verdades que negamos a aceitar, talvez porque pareçam indecentes demais, ou porque simplesmente nos oprimem, mas os fatos são incontestáveis" ... não sei onde li algo assim ou parecido, mas o fato que esta frase de molda perfeitamente com o caso.
Um abraço.
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