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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ensaio sobre a cegueira.


Semana passada assisti ao filme “Ensaio sobre a cegueira”, do diretor Fernando Meirelles, baseado no livro do escritor José Saramago. A estória é sobre uma epidemia de cegueira branca que atinge a humanidade e leva as pessoas a explorarem seus instintos primitivos. O enredo desenvolve-se focando um grupo de pessoas atingido pela enfermidade, o qual busca a sobrevivência em meio ao caos, liderados por uma mulher imune à tal doença. Não obstante a qualidade do filme e sua imediata e contundente capacidade de nos remeter à mais profunda reflexão sobre nossas vidas, chamou-me à atenção o raciocínio sobre a cegueira “branca”. O preto seria a ausência de luz, impedindo a visualização; e o branco exatamente o excesso de matizes, de cores, o que levaria igualmente à cegueira. Seria o “ver demais” e “enxergar de menos”. Uma espécie de miopia do senso crítico, um astigmatismo social. Impossível não comparar com nossa visão adestrada pelos meios de comunicação de massa e os últimos acontecimentos. Um fato histórico ocorreu dias atrás no centro da cidade de São Paulo. As polícias civil e militar – pela primeira vez na história – enfrentaram-se violentamente sob o olhar neo-liberal do governador do estado. Por trás da simples e superficial “cobertura” da imprensa, há relevantes e pontuais observações. A polícia civil, pela primeira vez desde a sua fundação, reivindica - seriamente - melhores salários e condições de trabalho. Mesmo razoavelmente organizado, com pouco aprofundamento político, o movimento por si só, trata-se de uma evolução. Um grande número de profissionais da carreira policial civil está participando ativamente dos protestos. O que antes era tratado dentro da própria instituição como "bobagem", "perda de tempo", agora é encarado com comprometimento. É público que as polícias não são vistas de forma positiva pelos olhos da sociedade, muito pelo seu passado de "braço armado" da classe dominante e abastada, mantenedora do status quo, sendo o órgão repressor e avalista do autoritarismo. A mudança radical está no resultado de enquetes promovidas por órgãos de imprensa, que atestam o apoio da população aos protestos dos policiais. Esse é o momento da polícia civil enterrar de vez seus equivocados serviços prestados à ditadura militar, guinando sua atuação de polícia judiciária para perto da população, como deve ser. Para os que acham isso deveras utópico para um órgão público tão complicado e arraigado ao retrocesso, atente-se para uma faixa erguida por um grupo de "tiras" durante a passeata que redundou no confronto com a P.M., estampada pelos principais jornais de São Paulo, "se você não quer brigar pelo seu salário, é porque não está precisando dele", em clara alusão aos servidores atrelados à corrupção, que realmente não dão a devida importância aos seus vencimentos oficiais e à persistente greve. A polícia militar, por sua vez, continuou a servir de tropa de choque do governo, despreparada e irresponsável, ao participar do conflito em área pública, movimentada, colocando em risco os passantes, não avaliando seu papel dentro do processo democrático, nem durante e nem após a confusão. O governador, ratificando uma equivocada posição tomada pelos políticos que vieram de um passado de luta pela democracia, os quais abominam ser chamados de fracos e vacilantes pelos truculentos de plantão, determinou que se repreendese a passeata à força, sem diálogo, numa clara demonstração de falta de sensibilidade política, à moda "tucana", que enfrenta radicalmente às vistas da imprensa, e compõe e faz acordos nos bastidores. Apesar dos oportunismos, sindicalistas profissionais, discursos equivocados, trata-se de uma real evolução, apesar de parte da imprensa noticiar apenas como um distúrbio. Resta-nos acompanhar com olhos imparciais e atentos, e colaborar para o avanço democrático deste órgão público tão carente de ações sociais e relevantes. O que ocorrerá lentamente, devido ao enorme período de letargia que seus servidores atravessaram, porém, com a intervenção social, para cobrar os trabalhos e apoiar as reivindicações, esse processo pode surpreender. Alguém conseguiria fazer um exercício, e imaginar ser tratado com cordialidade e cidadania ao chegar em uma delegacia de polícia? Ou de imaginar uma greve efetiva e pontual de policiais civis apanhando da P.M. Basta equacionar essas "ilusões de ótica", e fazermos nossa parte. Um abraço!
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P.s.: O adolescente desequilibrado e possessivo, tomou de assalto o apartamento de sua ex-namorada, inconformado com o rompimento do romance, e a fez refém - juntamente com uma amiga. Parte da imprensa, com a falácia do "dever de informar", espetacularizou e confundiu, contribuindo para o desfecho trágico. Até quando isso irá ocorrer, com a nossa anuência e nenhum questionamente?

7 comentários:

Anônimo disse...

Depois reclamam da corrupção na polícia. Salário não explica tudo, mas convenhamos para quem ganha uma miséria e se depara com milhões no exercício da profissão a sedução é grande não?!?

Anônimo disse...

Extremamente sensato e agudo como sempre Djalma, parabéns!
Cara confesso que tenho medo do noticiário da televisão.
Abraços

Anônimo disse...

Pois é é no mínimo repugnante ouvir o sr. José Serra (ex-presidente da UNE nos anos 60)dizer que a greve era política. Bem por princípio democrático toda greve é política, agora o cinismo do sr. Serra na tentativa de esvaziar o sentido político para um sentido politiqueiro já vai por conta do contexto neomidiáticoliberal em que estamos lamentavelmente enfronhados.
Parabéns por manter um debate que vai além do pensamento uníssono!

Anônimo disse...

E a vitória do Obama Djalma o que você nos diz, devemos ter esperanças de mudança no quadro político?
Nossa você acaba de nos brindar com um texto maravilhoso e já queremos mais rsrsrs
Deus te guarde meu filho.

Anônimo disse...

ô loco meu voce detona! Eu tava lá quase no meio da bagaça, meu foi chocante tudo aquilo, deu um medasso...Mais eu achei firmeza a atitude dos caras acho que eles tem que ganhar bem pra não ficar aceitando dinheiro de vagabundo.

Anônimo disse...

Bom saber que está de pé e na batalha irmão. Confie e espere as coisas às vezes perecem não se mover, mas é só uma falsa impressão da nossa ansiedade, observe com calma e discernimento e vais perceber o quanto já caminhou. Avante!

Anônimo disse...

Parabéns pelo post sensato e instigante Djalma.