...tenho grande temor quando vejo a maioria da população jovem do Brasil, ignorando e negligenciando a política, individualizando egoisticamente sua conduta, alienando-se em entretenimentos vazios, assistindo a tudo sem postura crítica, acostumando-se a escândalos e malversação do bem público, com lamentável apatia. Realmente não compreendo quando pessoas descrevem seu perfil no site de relacionamentos "Orkut", no item que questiona sua participação política, assinalando a opção "apolítico" (como se isso fosse possível), orgulhando-se e procurando eximir-se de qualquer culpa pelo mal andamento de nosso país. Admito que é muito difícil não desanimar e capitular frente a tantas más notícias, discursos demagógicos, práticas escusas. Nunca os políticos se pareceram tanto, e é raro destacar matizes que fujam do cinza dos nossos representantes em todas as instâncias. O ateniense Péricles discursou com orgulho aos seus concidadãos, após a guerra do Peloponeso: "Nós somos o único povo a pensar que um homem alheio à vida política, não deve ser considerado como um cidadão tranqüilo, mas como um cidadão inútil".
Escrevi as palavras acima, neste mesmo espaço, em fevereiro de 2008, em um texto intitulado "Política, prá que"? Apoio-me nelas para tentar justificar a recusa em não rabiscar sequer palavra sobre Sarney , crise das casas legislativas, etc... Agradeço aos elogios que chegaram em meu e-mail, agregados à pedidos de pronúncia sobre o tema acima citado. "Sapecar tinta" - expressão usada por um jornalista amigo - e escrever sobre o tema, parece-me redundante no momento. Seria apenas mais um a apontar o óbvio da roubalheira generalizada e herança colonial de usurpação do público pelo privado. Sinto-me mais útil tentando "sentir a política", não esmorrecer e não aliar-me a argumentos ingênuos e irresponsáveis sobre fechamento de casas legislativas, volta de ditaduras e outros desvarios. Prefiro, sinceramente, discutir em nível não especializado e relatar o que percebo como cidadão comum sobre política partidária, partindo de minhas próprias impressões e experiências pessoais. Tento responder para mim, os questionamentos que me chegam, tais como: o que vale à pena em política hoje em dia, para que serve eleições... Possuo um passado de fidelidade às minhas convicções políticas, sempre apoiei, debati e votei no mesmo partido político. Nunca lancei mão do "voto útil" mesmo para evitar que um mal caráter qualquer ganhasse alguma eleição. Mas sinto-me como o amigo, no belíssimo texto publicado por Roberto Barbato Jr., "Homem não chora", em seu blog "Lápis Impreciso":
Lembro-me de ter lido, no início da década de 1990, a entrevista de um jornalista que estava prestes a assumir um cargo público em São Paulo. Seu pai, àquela época já falecido, foi um comunista bastante ativo. Costumava dizer aos filhos (um dos quais, filósofo marxista) que quando alguma coisa estivesse errada, seria preciso olhar em direção ao Kremlin. Um dia, o jornalista resolveu romper com o comunismo. Abandonara as convicções que sempre deram sentido à vida do pai. Ideologicamente, distanciou-se dele e do irmão. Na entrevista, o tal jornalista contou que tivera um sonho bastante significativo a respeito de seu rompimento com as tendências de esquerda: num quarto branco, sóbrio, sem cores, ele levantava o pai pelo colarinho e gritava:- Você me enganou! Você me enganou!O pai, provavelmente ciente de que escolhemos ideologias por afinidades e devemos recusá-las quando desejamos, apenas respondeu:- Homem não chora! Homem não chora! Hoje, quando olho para trás, relembro minhas opções políticas sem arrependimento. Mas, quando vejo que os representantes que ajudei a eleger servem para perpetuar o que há de mais atrasado na política brasileira e ainda reivindicam o monopólio da moralidade pública, confesso que tenho vontade de chorar. É nessas horas que lembro da lição do velho comunista: homem não chora!
Acho esse texto elucidativo o bastante, o que dispensa maiores explicações. Então, voltemos para o que se tornou a política atual depois do fim das ideologias, dos partidos políticos independentes, da fidelidade partidária sem ameaça judicial, das discussões escrupulosas e utópicas, das formações de careteres juvenis, etc. Percebo a política atual como mera troca de interesses escusos; más intenções; aplicação de meios injustificáveis e inaceitáveis para atingir fins, deixando um rastro de sujeira no meio do caminho. Tudo foi nivelado pelo mais rasteiro patamar, dos representantes públicos ao eleitorado. A sensação que posso compartilhar é a de que tudo se individualizou, os membros de nossa comunidade buscam uma recompensa pessoal para cada ato. A contrapartida que cada um exige para qualquer atitude que transpasse os limites de sua residência é egoísta e limitada, uma sociedade de consumo que perdeu o freio e desce ladeira abaixo rumo ao interesse escuso. Nas últimas eleições municipais fui procurado por uma candidata à vereadora que - incensando meu conhecimento político - pediu o meu apoio em sua campanha. Não me fiz de rogado e firmei uma permuta, à moda da política moderna, e pedi subsídios para um projeto social que almejo realizar há tempos, em troca do tal apoio. Andei por todos os bairros da cidade de Campinas, e a experiência foi enriquecedora. Conversei com pessoas de todos os níveis por cerca de quatro meses e atesto que a visão política atual individualizada é desconhecida do público em geral. As pessoas não têm convicções claras de representação política e não se sentem representadas de fato por ninguém. Votam por pequenos mimos; por escracho; para ver alguém pobre e humilde prosperar; por se enganar quanto à trajetória e caráter de postulantes que o marketing político encobre habilmente; por culto à pseudo celebridades; e raramente, por certeza da representação satisfatória. Porém, apesar desses equívocos o povo permanece sábio, e no fim das quase infindáveis e gratificantes conversas eu ouvia o insofismável argumento de que qualquer um que caísse no "ninho de serpentes" das casas legislativas, não teriam força para mudar sozinhos o status quo. Poderia ficar por horas relatando experiências sobre essa empreitada e constatando que, no "acomodar das abóboras" o povo está cansado de engodos, e desgastado demais com tanta decepção. Contudo, particularmente, continuo persistindo, acreditando no imponderável, aliando utopia com coisas concretas, buscando o equilíbrio de forças. Há alguns dias, uma favela da zona sul paulistana foi desapropriada e as famílias foram literalmente jogadas ao relento. O escritor Ferréz iniciou uma luta inglória para viabilizar alento àquelas pessoas (o que pode ser melhor relatado em seu blog, "linkado" aí ao lado), e, buscando todo tipo de ajuda possível, telefonou para o senador Eduardo Suplicy, o qual chegou ao local em 40 minutos, dirigindo um veículo FIAT/DOBLÔ, fazendo os desalojados "sentirem" a política da forma como sinto atualmente. Da única forma que interessa e vale à pena, "lutando contra o Leviatâ", e levando conforto a quem precisa. O resto é desprezível e vil, como todo mundo já conhece. Um abraço!
14 comentários:
Cara, muito bom seu texto. Acho que o caminho é esse, "sentirmos" e valorizarmos o que realmente vale à pena. E o projeto social, conseguiu realizá-lo?
Léo, o projeto ainda não se concretizou porque a candidata, apesar da votação expressiva para Campinas/SP, não se elegeu. Porém, continua bem intencionado. Fugindo realmente do lugar comum, acredito que somente com educação (muito conhecimento para todos) e cultura, é que poderemos avançar. Essa é a única revolução em que acredito atualmente.
Djalma sempre fui eleitora e admiradora da conduta, do caráter e da elegância do senador Eduardo Suplicy, mas confesso que diante desse quadro político desolador até sua "atuação" com o tsl csrtão vermelho me pareceu patética, penso que ele poderia passar sem aquilo. Meu filho vejo que minha esperança está mais desgastada que a sua. De todo modo, belo texto!
Deus o abençoe!
Puxa Djalma sempre me achei um bicho político, mas tá difícil cara... Eu mesmo me sinto extinto...
É sempre enriquecedor e,alentador, ler o que vc escreve sobre política. Fiquei chocada com o triste episódio do cartão vermelho do senador Suplicy, mas no final das contas ele é o pouco que resta de dignidade nesse cenário. Parabéns!
Profª Carla, o "cartão vermelho" em questão também me pareceu patético, um circo de quem "chegou atrasado" propositalmente e quis "fazer uma média", "jogar para a torcida", mas o quadro é tão desolador, que - em certa medida - até se justifica. Porém, as atitudes isoladas, de estar com o povo sem demagogia, aonde os holofotes não estão (esse ato relatado no post não foi publicado na grande imprensa), para mim é uma maneira de sentir um pouco de dignidade política, de manter acesa a chama e não capitular. Obrigado pelo comentário, e um grande abraço!
Celina, penso exatamente como você, mas respeito o desgaste observado pela profª Carla, afinal é difícil suportar o momento político atual. Porém, continuamos fazendo política todos os dias, então que seja da maneira como o senador atuou no caso da desapropriação da favela. Apenas esclarecendo, ele pediu para que o Ferréz escrevesse uma carta para o prefeito Kassab, e também escreveu uma carta de próprio punho, entregando ambas para o prefeito. Usou as prerrogativas do cargo para ter acesso direto ao signatário paulistano, de forma digna, em boa causa, como gostaríamos de ver sempre. Um abraço!
Ricardo, resignação meu caro! Quem precisa entrar em processo de extinção são eles, e que seja breve, resista! Política agora precisa ser discutida de outra maneira, direta, objetiva e profundamente. Um abraço!
DJALMA,parabens pelo texto, como sempre vc consegue nos tocar.Espero que um dia consiganos murdar esse mundo de podridão, que é a politica hoje.Quanto ao SUPLICY,eu o admiro e acho que é o unico que ainda pensa em nós!Continue na sua luta, você ja é um vencedor.Um abraço
Valeu, Patyta, eu sei da sua admiração pelo senador, também o admiro. Porém, ele só precisa medir suas ações. Não falo sobre os episódios das interpretações das canções do Bob Dylan e da música "Homem na Estrada" dos Racionais MC´s - que para mim superam em dignidade a maioria dos atos de seus colegas - mas, o recurso do cartão vermelho, apesar de representativo, foi atemporal. Um beijo!
Em minha lida diária, a sala de aula,percebo o quanto a atual conjuntura política têm contribuído para o soterramento do sentido mais amplo de que ela se constitui, instrumento democrático de participação na administração da "polis"; coibidora dos apetites do poder centralizador e despótico,inibidora dos instintos anticivilizatórios (o Homem Lobo do Homem), contudo, percebo que falta a eles a informação honesta, o desvelamento das pedras do tabuleiro, a definição de quem é o joio e de quem é o trigo, sigo nessa trilha. Nesse sentido o senador Supicy não pode se dar ao luxo de cometer deslizes de qualquer ordem (episódio do cartão), pois há muito em jogo e, nesse momento, nosso time encontra-se deveras desfalcado.
Beijos
Caquito, concordo com você e me orgulho de sua atuação profissional, isso é contribuição verdadeira, como a do Suplicy no episódio da desapropriação da favela e da entrega em mãos das cartas ao Prefeito. Quanto ao episódio do "cartão" atribuo o deslize do senador à falta de "boa" assessoria, que talvez tenha o orientado a sair do estado de letargia e omissão frente à turbulência "Sarney", o que infelismente ocorreu de forma ridícula e extemporânea. O que ressalto de positivo na atuação do homem público foi o súbito conhecimento do problema e a imediata resposta, indo ao encontro dos que necessitavam, sem demagogia, pois os holofotes não estavam virados para lá. Um beijo.
Muitos chegados meus moravam nessa favela, o Suplicy é muito gente e vc tb.
Camila, espero que seus amigos estejam bem. Não compreendi porque eles aceitaram a proposta injusta da prefeitura de São Paulo, mas sei que resistir é difícil. Você nem imagina o quanto é importante para mim ter a sua consideração. Um grande abraço!
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