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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

102 dias no calabouço (reportagem do "Jornal de Limeira")

Domingo passado, 14/10/2007, foi publicada a matéria abaixo reproduzida, escrita pelo competente jornalista Paulo Corrêa, que conseguiu achar poesia em tema tão ácido.
(Para visualizar a reportagem na íntegra, basta acessar www.jornaldelimeira.com.br e entrar no suplemento jornal de domingo).

102 dias no calabouço
No dia em que o investigador Djalma de Oliveira Júnior obteve o habeas-corpus e se desvencilhou das grades do Presídio Especial da Polícia Civil de São Paulo (exclusivo para policiais civis) após três meses de confinamento, o primeiro ato de celebração à liberdade foi reunir a família e comer uma pizza. Na pizzaria, a massa apetitosa tinha um aspecto suculento de felicidade. Assim que Oliveira provou o primeiro pedaço, porém, o alimento ganhou um poderoso sabor de culpa, desceu pontiagudo e árido pela garganta. Foi assim que o investigador descobriu que, embora estivesse longe do calabouço da Avenida Zaki Narchi, zona norte da Capital - ao qual, segundo ele, foi submetido por ter assinado uma intimação em nome do delegado titular para detenção de um traficante -, a invencível lembrança dos ex-companheiros de cárcere azedaria a noite e toda a sensação de alegria por estar livre seria assombrada por um sentimento de traição à população carcerária.A reação negativa foi um dos pontos de partida para o amadurecimento de uma idéia e um conceito. A idéia foi a de escrever um livro revelando o ponto de vista de um policial sobre o sistema carcerário a partir do seguinte conceito: "por trás de toda anomalia social, esconde-se a culpa coletiva e a parcela de negligência de todos nós".Essa é a tônica da obra "Os execrados da av. Zaki Narchi", um surto de revolta e indignação em 212 páginas. Com a tinta pesada, o autor não mede esforços para mostrar como facções criminosas aliciam policiais dentro do presídio da própria corporação, descreve a ação de oportunistas sobre os detentos, a "indústria da punição" que se tornou um dogma no sistema carcerário, o impacto da detenção sobre as família e as dramáticas histórias de vida de ex-policiais que tinham a função de deter marginais e agora estão presos.A narrativa rica descreve a lenta, sofrível e catártica metamorfose no comportamento dos internos do presídio. Como o caso de um policial de origem oriental que passou as duas primeiras semanas no presídio recebendo advogados e sanando dívidas para não perder o apartamento onde residia com a mãe e a irmã. Após deixar tudo acertado, ele enforcou-se no banheiro da cela. Além de descrever um cenário insólito do funcionamento da "cracolândia", tolerada pelos administradores, atrás de uma igreja evangélica.
Investigador busca editora para lançar livroO policial civil Djalma de Oliveira Júnior conta em seu livro que sentiu na carne como o isolamento - sem qualquer proposta de ressocialização - produz efeitos devastadores sobre a vida do preso. Uma violência que, ele reconhece, só se materializou durante o período de detenção. Um despertar brutal para quem exerceu durante oito anos um papel de investigador de polícia, sendo uma engrenagem do sistema de segurança pública do Estado, dando manutenção à "máquina de punição" atrás de um balcão de delegacia em Barão Geraldo, bairro nobre de Campinas. Não é à toa que, na última frase do livro, o investigador desabafa - após ficar 102 dias preso: "No peito, um vazio. E, na alma, a total incompresão do sentido vida!".A prisão de Oliveira ocorreu no dia 18 de abril do ano passado. Ele só foi libertado no dia 27 de julho após ter conseguido o habeas-corpus. Depois de ser solto, passou boa parte do tempo na casa da irmã, em Limeira, onde trabalhou na construção do livro. Agora, o investigador busca uma editora para publicar o material. Ele segue suspenso das atividades na Polícia Civil enquanto aguarda o parecer final do Tribunal de Justiça sobre seu caso. O julgamento está previsto para ocorrer no próximo mês. O autor disponibilizou parte da obra na Internet. Para ler um trecho do livro, basta acessar o blog www.djalma-oliveira.blogspot.com
Leia um trecho do livro: "Em meio às imprecisões das notícias que chegavam, de fatos inusitados, que davam conta que integrantes de tal grupo criminoso (PPC) estavam cometendo atentados contra policiais, agentes penitenciários e seus familiares, as reações dos presos do P.E.P.C. (presídio) foram das mais diversas.- Eu não sou mais polícia, eu apóio os irmãos de cárcere, viu!Outros desesperados temiam por seus familiares, agora sem a proteção do seu braço armado e à mercê de bandidos. Uns, de sabida interação com a quadrilha em questão, foram alvos de chacota e de pedidos irônicos.- Você que é envolvido, pede para os irmãos não atacarem minha família."
Paulo Corrêa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Djalma, caríssimo,
A despeito da lamentável falta de tempo, tenho lido, ainda que rapidamente, seus posts. Já está na hora de publicar esse livro... Para quando é? Abraços. Pito.

Anônimo disse...

Aprendi muito