Camila, espero que esteja bem, e que tenha conseguido organizar sua rotina de trabalho após o feriado prolongado. Em referência ao livro abordado no filme "Tropa de Elite", do cineasta José Padilha, trata-se da obra do pensador francês Michel Foucault. No filme, o personagem André Matias cursa uma faculdade de Direito na cidade do Rio de Janeiro, e em uma aula de Sociologia, entra para um grupo de estudos para realizar um trabalho sobre Michel Foucault. A obra mais conhecida deste escritor é o clássico "Vigiar e Punir", onde o autor desenvolve um estudo científico sobre legislação penal e os métodos adotados pelos poderes públicos para punir os que praticam alguma modalidade de crime desde os séculos passados, até os tempos modernos. A contracapa do livro já diz: "Cada época criou suas próprias leis penais, utilizando os mais variados métodos de punição, que vão desde a violência física até a aplicação dos princípios humanitários que apostam na recuperação e na reintegração dos delinqüentes na sociedade. É uma obra clássica sobre as prisões e sobre o Direito Penal". Por ser um clássico, esse livro é facilmente encontrado nas bibliotecas públicas, e acho que você ficaria satisfeita em lê-lo, e constataria o que eu faço questão de enfatizar, com muita segurança, pois conheço o equívoco por todos os lados: atualmente atravessamos um momento de retrocesso no direito de punir, o que se reflete negativamente todos os dias na sociedade. Cadeias abarrotadas, cheias de pessoas ociosas, sofrendo a expiação cotidiana da vingança social velada, sem nenhum processo de ressocialização, alimentando a "indústria da punição", perante a omissão e inércia do estado e de todos nós.
À seguir, reproduzirei os diálogos que abordam a obra do pensador francês "Michel Foucault", no filme "Tropa de Elite", e, em seguida, transcrevo alguns trechos do livro "Microfísica do poder" do mesmo autor. Compare os trechos do filme; do livro, e se possível; dos posts deste blog (Carta resposta à professora Carla e Tropa de Elite: o que você tem a ver com isso). Você verificará que o interessante do debate, é que os assuntos convergem e sugerem algumas idéias e posicionamentos, escreverei nos próximos dias minha opinião sobre o que os personagens do filme debatem sobre a obra de "Foucault". Um grande abraço e obrigado pela oportunidade!
Obs.: Os posts foram escritos antes de eu assistir ao filme.
Trechos extraídos do filme:
Personagem André Matias (no grupo de estudos que realiza um trabalho sobre "Foucault" para a disciplina de Sociologia): (...) bom gente, primeiro eu fiz o resumo (...), e depois eu li que, prá "Foucault", o Direito Penal é uma manifestação das relações de poder, tá. E que, na verdade, não há "contrato social" nenhum, entendeu? E que o Estado sempre administra instituições para vigiar e punir os criminosos, entendeu? Como ..... , que era aquela prisão da época, que a gente já tinha estudado. Para "Foucault" a análise histórica dessas instituições revelam como o Estado exerce o poder sobre a sociedade, que é exatamente o que o "Gusmão" (professor) pediu prá gente.
Personagem Maria (aluna em sala de aula, apresentando o trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) bem professor, nós concluímos portanto, que no Brasil a legislação penal, ela funciona como uma rede que articula diversas instituições repressivas do estado, e que infelizmente, no nosso país, hoje a resultante dessa micro-relação de poder que o "Foucault" tanto fala, acabou criando um Estado que protege os ricos, e pune quase que exclusivamente os pobres.
Personagem Gusmão (professor em sala de aula, durante a apresentação de trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) muito bem, acho que a Maria e todo o grupo falaram com clareza como as relações de poder, e não apenas o Estado, moldam instituições perversas. Agora, pra concluir, podíamos fazer uma análise de caso. Quer dizer, um exemplo de uma instituição desse tipo?
Personagem Maria (aluna em sala de aula, apresentando o trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): A polícia!
Personagem Gusmão (professor em sala de aula, durante a apresentação de trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) A polícia! Muito bem! Mas, por que a polícia?
Personagem Gusmão (professor em sala de aula, durante a apresentação de trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) A polícia! Muito bem! Mas, por que a polícia?
Personagem Edu (aluno em sala de aula, apresentando o trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) Aí, professor. É porque todo mundo aqui sabe que na favela, os tiras chegam batendo mesmo, saca. Eles chegam dando porrada, esculachando geral!
Personagem Gusmão (professor em sala de aula, durante a apresentação de trabalho que o seu grupo de estudos desenvolveu para a disciplina de Sociologia): (...) O Edu tá certo. A polícia age perversamente contra os despossuídos, os bestializados, e aqueles que por sua condição, são compelidos a cometer delitos.
Alunas concordam em parte com o aluno Edu, e acrescentam que a polícia age violentamente também contra a classe média, a classe alta, e relata um caso pessoal de ser abordada pela polícia em uma blitz.
Personagem sem identificação (filho de um Juiz de Direito, em sala de aula, durante a apresentação de trabalho para a disciplina de Sociologia): (...) Professor, meu pai é juiz e ele falou que, lá na baixada, tortura é pouco o que a polícia faz. A polícia entra lá e sai matando todo mundo, tipo chacina da candelária(...)
Trechos extraídos do livro Microfísica do poder (Michel Foucault):
...o poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente. Uma coisa não se pode negar às análises genealógicas (procedência, origem) do poder: elas produziram um importante deslocamento com relação à ciência política, que limita ao Estado o fundamental de sua investigação sobre o poder. Estudando a formação histórica das sociedades capitalistas, através de pesquisas precisas e minuciosas sobre o nascimento da instituição carcerária, viu delinear-se claramente uma não sinonímia (palavra com a mesma significação) entre Estado e poder. O que aparece como evidente é a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive a sua sustentação e atuação eficaz. (...) visa é a distinguir as grandes transformações do sistema estatal, as mudanças de regime político ao nível dos mecanismos gerais e dos efeitos de conjunto e a mecânica de poder que se expande por toda a sociedade, assumindo as formas mais regionais e concretas, investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação. Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder. O importante é que as análises indicaram claramente que os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado, nem, se nasceram fora dele, foram inevitavelmente reduzidos a uma forma ou manifestação do aparelho central. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado, distinção que não parece, até então, ter sido muito relevante. O importante é que essa relativa independência ou autonomia da periferia com relação ao centro significa que as transformações ao nível capilar, minúsculo, do poder não estão necessariamente ligadas às mudanças ocorridas no âmbito do Estado. A razão é que o aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa e complementa. O que me parece, inclusive, apontar para uma conseqüência política contida em suas análises, que, evidentemente, não têm apenas como objetivo dissecar, esquadrinhar teoricamente as relações de poder, mas servir como um instrumento de luta, articulado com outros instrumentos, contra essas mesmas relações de poder. É que nem o controle, nem a destruição do aparelho de Estado, como muitas vezes se pensa, é suficiente para fazer desaparecer ou para transformar, em suas características fundamentais, a rede de poderes que impera em uma sociedade. Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. Com isso, se quer dizer que é impossível dar conta do poder se ele é caracterizado como um fenômeno que diz fundamentalmente respeito à lei ou à repressão. O que suas análises querem mostrar é que a dominação capitalista não conseguiria se manter se fosse exclusivamente baseada na repressão. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades. Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito do seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos do contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente. Portanto, aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos, aumentar a força econômica e diminuir a força política. É o diagrama de um poder que não atua no exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da sociedade capitalista.
Trechos extraídos do livro Microfísica do poder (Michel Foucault):
...o poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente. Uma coisa não se pode negar às análises genealógicas (procedência, origem) do poder: elas produziram um importante deslocamento com relação à ciência política, que limita ao Estado o fundamental de sua investigação sobre o poder. Estudando a formação histórica das sociedades capitalistas, através de pesquisas precisas e minuciosas sobre o nascimento da instituição carcerária, viu delinear-se claramente uma não sinonímia (palavra com a mesma significação) entre Estado e poder. O que aparece como evidente é a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive a sua sustentação e atuação eficaz. (...) visa é a distinguir as grandes transformações do sistema estatal, as mudanças de regime político ao nível dos mecanismos gerais e dos efeitos de conjunto e a mecânica de poder que se expande por toda a sociedade, assumindo as formas mais regionais e concretas, investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação. Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder. O importante é que as análises indicaram claramente que os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado, nem, se nasceram fora dele, foram inevitavelmente reduzidos a uma forma ou manifestação do aparelho central. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado, distinção que não parece, até então, ter sido muito relevante. O importante é que essa relativa independência ou autonomia da periferia com relação ao centro significa que as transformações ao nível capilar, minúsculo, do poder não estão necessariamente ligadas às mudanças ocorridas no âmbito do Estado. A razão é que o aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa e complementa. O que me parece, inclusive, apontar para uma conseqüência política contida em suas análises, que, evidentemente, não têm apenas como objetivo dissecar, esquadrinhar teoricamente as relações de poder, mas servir como um instrumento de luta, articulado com outros instrumentos, contra essas mesmas relações de poder. É que nem o controle, nem a destruição do aparelho de Estado, como muitas vezes se pensa, é suficiente para fazer desaparecer ou para transformar, em suas características fundamentais, a rede de poderes que impera em uma sociedade. Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. Com isso, se quer dizer que é impossível dar conta do poder se ele é caracterizado como um fenômeno que diz fundamentalmente respeito à lei ou à repressão. O que suas análises querem mostrar é que a dominação capitalista não conseguiria se manter se fosse exclusivamente baseada na repressão. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades. Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito do seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos do contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente. Portanto, aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos, aumentar a força econômica e diminuir a força política. É o diagrama de um poder que não atua no exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da sociedade capitalista.
Denise: Agradeço pelas palavras carinhosas, quanto a sua pergunta, darei minha opinião no próximo post, e também gostaria de saber o que você acha sobre toda essa repercussão do filme "Tropa de Elite?" Um abraço!
8 comentários:
Olá Djalma!
Mais uma vez quero iniciar cumprimentando você pelo trabalho educativo que presta a todos nós.
Este filme chamou muito a atenção da piazada, muitos perguntaram para mim , em aula sobre o livro "Vigiar e Punir", confesso que não conhecia o livro nem seu autor, mas de todo modo fiquei encantada com o interesse deles. Pensei em escrever para você e para meu espanto deparo-me com seu post. Imprimi e levei para sala de aula, fizemos uma belíssima discussão e mais, os alunos toparam ler o livro todo.
Meu filho que Deus continue iluminando seus caminhos, mantenha-se firme em seus propósitos.
Muito bacana ver seu trabalho tornar-se referência para pessoas dos variados matizes. Eu, que de há muito conheço seu talento e competência sei que o público só tem a ganhar com isso.
Em tempos de cinismo social,de pensamento uníssono e superfial,onde "capitães Nascimento" ultrapassam a Tela e tornam-se anjos vingadores é vital que alguém tenha a coragem, e competência de oferecer a outra face.
Beijos
E aí djalma beleza?
Cara muito bom esse teu blog, maneríssimo!
sEGUINTE SEI QUE VC TÁ NA BATALHA PRA publicar teu livro, mas não dá pra liberar mais trecho aí pra gente no blog?
Sorte véio!
PÔ cara valeu! Vou ver se tomo coragem pra ler esse livro, agora vc botou pilha...
Mêu esse filme aqui pra galera da minha área é meio assim "vamo vê o que esses gambé pensam da gente e como eles treinam pra dá tapa na cara" o loco é que fez a gente pensar num montão de coisas, eu não sei escrever assim legal como vc, mas a galera tá curtindo, é isso
valeu
Ops! esse anônimo aí sou eu, foi mal...
Olá Djalma!
O que está achando da polêmica em torno do roubo do rolex do Huck, nâo do roubo em si, mas do debate a partir dele.
Abraço
E aí cara o que tá pegando nada de post ?!?
TÔ até lendo o tal livro...
Eu li!
Achei muito importante você demonstrar para as pessoas algo sobre esse pensador contemporâneo que é o Foucault, pois as pessoas devem ter conhecimento de sua obra, que é demasiado importante para a compreensão de nossas práticas quotidianas engendradas pelo poder. È bom ver que o filme serviu para despertar este interesse sobre a obra de Foucault,e não somente para fazer as pessoas cantarem parapapapapapapapapapa,paparápaparápapará, clack BUM! Que com certeza será o rite do carnaval de 2008 em forma de axé.
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