Finalmente assisti ao tão badalado filme "Tropa de Elite", do cineasta José Padilha; baseado no livro "Elite da Tropa", escrito por um ex-policial do BOP da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro. Agora entendo porque algumas pessoas que sempre são questionadas sobre violência urbana se recusaram a falar sobre o assunto. O tema é delicado, melindroso; e o filme é realista, "à flor da pele", violento, mas de qualidade. O próprio diretor do filme foi estranhamente tachado de "fascista". A estória é cotidiana, alguns problemas urbanos são abordados na trama, sempre sob a ótica do narrador, um policial militar violento e incorruptível, que realmente acredita naquilo que prega. Concomitantemente ao lançamento do filme, uma polêmica interessante surgiu nas páginas do jornal "Folha de SP", o apresentar Luciano Huck foi vítima de roubo no bairro dos Jardins, na capital paulista, tendo seu relógio de marca "Rolex" subtraído, e publicou um artigo de desabafo sobre a violência que "assola" o país, e a necessidade de prender os bandidos, de se falar em segurança pública e, (suponho que num ato de desespero não justificado), chegou até a evocar o capitão Nascimento (personagem de Wagner Moura no filme "Tropa de Elite"), para "acabar" com a violência nas grandes metrópoles. Alguns dias depois, o escritor Ferréz também publicou artigo na mesma "folha", criticando o discurso unilateral de Huck, e derramando uma enxurrada de realidade suburbana, da classe massacrada pelos consumidores de relógios e preciosidades importadas, posicionando-se do lado oposto ao do apresentador. Para variar, no resumo dos fatos, o discurso hipócrita prevaleceu: as razões do escritor não foram sequer ponderadas; e a pretensão do cineasta descaracterizada. O apresentador Luciano Huck foi reverenciado como o abastado que tem o direito de ser rico, pois conseguiu seu patrimônio com esforço e honestidade, e o máximo que recebeu de crítica foi a alusão ao "riquinho esperneando porque perdeu seu brinquedo". O cineasta José Padilha foi "classificado" como defensor de ideais da direita que justifica as atitudes repressivas e violentas da polícia, e vez por outra foi elogiado pelo bom filme. E o escritor Ferréz, por sua vez, foi linchado publicamente, acusado de ser defensor de bandido, inconseqüente, destruidor do estado de direito. O "patrulhamento", ávido por catalogar cada um no seu devido lugar não tardou, e a tropa da elite bradou em plenos pulmões: rico é rico, pobre é pobre, bandido é bandido, e filme tem que ter final feliz. Muito cômoda é a posição da elite neste país, a qual disseminou um bom número de discursos prontos, chavões, frases de efeito, e deitou em berço esplêndido, olhando de cima o "debate de uma nota só". Voltando ao filme, o mesmo deixa clara a necessidade de discutir a possibilidade da descriminalização das drogas, visto que a erradicação é uma utopia. O tráfico de entorpecentes é um grande negócio, como a comercialização de bebidas alcoólicas e de cigarros. Grandes conglomerados enriquecem vendendo bebidas e cigarros, com publicidade em horário nobre, passando a imagem de substâncias que o ajudam a relaxar após a correria do cotidiano de luta, sempre ao lado de mulheres bonitas e rapazes saudáveis; ocultando os males causados por esse "prazer". A droga é associada ao morro, à favela e ao cortiço, cercada de "magrelos" sem camisa, portando armas pesadas; e seus consumidores às pessoas perturbadas, perdidas, viciadas. Convenhamos, o efeito é o mesmo, o malefício é o mesmo, o dinheiro arrecadado é o mesmo, porém, por tratar-se de coisa ilícita, proibida, a droga alimenta outro micro-cosmo, onde os atravessadores usam de métodos violentos para se estabelecer, mas não menos imorais que os outros. Esse comércio velado deságua em outros males como a indústria da punição, a inutilidade do sistema penitenciário, o preconceito sofrido por moradores dessas áreas de tráfico, etc. No filme, a "guerra retratada" é causada e combatida pela mesma polícia. O traficante ocupa um espaço negligenciado pelo estado, que intervem para se beneficiar do próspero comércio de drogas ou para reprimir e moralizar, mas nunca para suprir as necessidades dos desfavorecidos. Isso foi mostrado pelo diretor do filme, e precisa ser explicitado muito mais, pois existem várias e paradoxais intervenções estatais, e diversas incorreções nessa nossa sociedade multifacetada. Contudo, classificar o cineasta de fascista é no mínimo impróprio. Outro ponto é aplaudir o desabafo do rico indignado que teve um súbito contato com a violência, e execrar o também desabafo do periférico que sente na pele diariamente a violência. Usar da força e da ameaça para tomar um objeto caríssimo, que daria para comprar mais de uma casa na periferia, e sustentar uma família pobre por alguns meses é ilegal; mas usar no braço alguns anos de salário da média de todos os trabalhadores do país é imoral. Para posar de vestal que ajuda os pobres é preciso ter consciência social, não apenas usando uma parcela de seus vultosos lucros para manter uma instituição de "caridade", mas tendo conhecimento do que faz o despossuído se sentir mal, de fora da sociedade de consumo. É não contribuindo para a erotização precoce das crianças dos subúrbios, com suas "Tiazinhas" e "Feiticeiras", que reduzem as mulheres a meros bibelôs sensuais. É não expor os necessitados a situações constrangedoras em troca de alguns trocados, em quadros do seu programa semanal, mantido à custa de polpudos contratos de publicidade. Conheço a obra do escritor Ferréz; do livro infantil Amanhecer Esmeralda ao romance Manual prático do ódio. Acompanho sua luta na idealizada revolução literária. Esporadicamente leio seus artigos publicados em algumas revistas. E nunca o vi prestando um desserviço social, pelo contrário, ouço apenas mais uma voz resistente, altruísta, às vezes equivocada, remando contra a maré, fugindo do recrutamento da elite.
Porém, o essencial de tudo isso, é permitir o debate desinteressado, isento, não obtuso, onde cada indivíduo possa "olhar com olhos livres", e refletir sobre esses temas polêmicos que indiretamente direcionam nossas vidas e interferem no nosso cotidiano, não aceitando o "entendimento pronto" que lhe empurram garganta abaixo. Afinal, para bom entendedor, um risco quer dizer Francisco, ou Luciano, ou Reginaldo, ou Padilha...Em tempo: segundo o dicionário Aurélio: "elite: s.f. O que há de melhor em uma sociedade ou grupo; nata; flor. Minoria prestigiada e dominante no grupo, constituída de indivíduos mais aptos e/ou mais poderosos. Até breve!
Um apelo: algumas pessoas que não deixam comentários neste blog, têm discutido fora deste espaço, ou dito a outras pessoas que leram os posts. Isso é ótimo, porém, pediria encarecidamente que deixassem qualquer observação, mesmo uma palavra, ou a expressão "eu li". Por mais estranho que pareça, isso é fundamental para balizar essa iniciativa. Obrigado!
Resposta ao " Jão": Ninguém expressa o que não é, ou "paga uma sugestão" só porque teve problema. Quem me conhece e sabe da minha estória não se surpreende com minhas palavras. Viemos todos do mesmo lugar, para onde vamos é que são elas. Vou para o debate, tento publicar meu livro, e assim vou aprendendo um pouco com quem interage nesse espaço. A polícia, a milícia, a quadrilha, são só detalhes. Força e esclarecimento irmão, um abraço!
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6 comentários:
Olá Djalma. Já leio seu blog há algum tempo, resolvi deixar um comentário atendendo seu "apelo".
Confesso que a cada post seu levo um tempo razoável para digerir tudo, vc escreve muito bem e com isso quero dizer que vc vai ao cerne, ao núcleo de questões "incômodas" já que estão há tempos catalogadas como certas ou erradas.
Não o conheço pessoalmente, mas acredito em vc, em seu livro e em sua capacidade de promover um debate sério, honesto e democrático sobre justiça social, humanização da ação policial, educação e cidadania. Parabéns!
A luta é dura, mas não esmureça
Um abraço
Oi Djalma!
Vim aqui pra perguntar sua opinião sobre o filme Tropa de elite e eis que já estava aqui. Parabéns e muita força pra continuar esta batalha...
Beijos
Claudia
Orra mêu feriadão acumulopu um monte de trampo nem deu pra entrar antes. cara arrasou mais uma vez. Seguinte vc leu o livro que eles estdam lá no Tropa?
Queria saber mais sibre ele.
Oi Djalma!
Sou aluna da profa. Márcia, ela dá aula de história e as vezes leva seus posts pra gente ler.
Tem muita coisa que não entendo direito, mas gosto da maneira como vc escreve, é muito educado e eu sempre achei os policiais escrotos e ignorantes (desculpe minha sinceridade)
Vc poderia me explicar se não existe mesmo corrupção no Bope como mostra o filme?
Obrigada
Djalma, admirável sua capacidade de escrever, que Deus ilumine teu caminho.
Continuo a leitura.
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