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sábado, 12 de janeiro de 2008

Meu nome não é Johnny!

Nessa semana que passou, assisti ao filme "Meu nome não é Johnny", com atuações respeitáveis dos atores Selton Mello, Cléo Pires e Júlia Lemmertz, baseado no livro de mesmo nome, o qual narra a estória de vida do próprio autor João Guilherme Estrella; jovem da classe média carioca, usúrio de drogas, que chegou a ser um dos mais conhecidos traficantes da cidade do Rio de Janeiro. O filme é emocionante, e como qualquer obra de arte, é sentido de forma diversa, e leva cada um a refleti-lo conforme seu patrimônio cultural e atual estado de espírito. Compartilho agora minhas impressões e algumas feridas ainda não cicatrizadas, a que esse bom filme me remeteu.
A estória ajuda a refletir sobre família, amizades, escolhas individuais, e, principalmente, a desmistificar a onda causada por "Tropa de Elite", de que todo tráfico de drogas acontece apenas nos morros cariocas, com moleques pobres, quase sempre afro-descendentes, sem camisas, portando armas automáticas. O personagem principal vivia numa eterna "balada", acompanhado de jovens brancos, com o esteriótipo de classe mais abastada, com festas diárias regadas à drogas lícitas e ilícitas, numa quase interminável viagem hedonista, não se atentando para à escalada que o levou de usuário a comerciante de entorpecentes, com o intuito inicial de sustentar seu vício e opção de vida. O filme dá uma virada à partir da inevitável prisão do personagem principal, sob a acusação de tráfico internacional de drogas, e sua inclusão no sistema penitenciário. Daí em diante, mergulha-se numa enorme depressão, num choque de realidade que é essa estupidez da mera segregação sem objetivo digno. Os mesmos vícios, tragédias, facções criminosas, degradação do ser humano são apresentadas. Não obstante as particularidades regionais, ou os nomes que se dê para essa aberração social: cadeia é cadeia em qualquer lugar. O filme aprofunda-se ainda no mundo dos manicômios judiciais, denominados "casas de custódia"; depósitos de indivíduos que necessitam de tratamento, e ao invés disso; são monitorados com doses elevadas de remédios e abandono. Como se a idéia fosse recuperar e não apenas castigar. No próprio estado de São Paulo existe um rol de siglas (C.D.P.; C.P.P.; C.R.), que anuviam a visão dos incautos e despolitizados contribuintes, os quais são ludibriados pela teoria da suposta ressocialização. No filme, aborda-se também o julgamento do personagem principal com a velha frieza da rotina das decisões em série, como se todos os casos fossem iguais, e se todos os que delinquiram tivessem uma pré-disposição congênita para tal. O cenário aproxima-se bastante da realidade: um promotor justiceiro, uma intocável juíza semi-deusa, um advogado atento para as habituais brechas judiciais e um emaranhado de papéis timbrados. O diferencial do julgamento tratado na estória, é que a juíza de direito sensibilizou-se com a sinceridade do personagem principal, e seu depoimento despojado e contundente, o condenando à pena mínima e o encaminhando para tratamento. Mas, a realidade é muito diferente disso. Iniciando pela pouca chance que os réus têm de se pronunciarem nas audiências criminais. Participei de incontáveis como policial e de uma como réu, e - como relato em meu livro - o juíz que me julgará nunca ouviu meu relato. As referidas audiências são rápidas, automáticas e impessoais. Quase sempre com o esteriótipo do jovem favelado, ou morador em "áreas de risco", acuado, pronunciando-se num misto de gírias e tentativas de parecer instruído; com testemunhas amedrontadas, sendo interrompidas pelo juíz em seus testemunhos, o qual exige objetividade (ou depoimentos em linha de produção); e decisões análogas. Naquele ambiente, nem julgador e nem julgado têm a menor noção do que se passa na vida do outro, no seu meio, na sua vida, no que seria efetivamente necessário para sua inserção social, no que está errado nesse país. Afirmo com convicção, que se o personagem Johnny fosse negro, magrelo, favelado, falasse um português sofrível, olhasse para o chão durante o julgamento, usasse chinelos "havaianas", e expressasse no olhar toda revolta e raiva das pessoas que estivessem naquele tribunal, seria condenado à pena máxima. Porém, para mim o que foi sentido mais profundamente no filme, foi quando o personagem principal saiu provisoriamente da prisão ("indulto"), para passar o Natal com sua mãe, e após rever familiares, amigos e ex-companheira, passou horas (até o amanhecer), sentado na areia da praia, fitando o mar, enquanto seus amigos dormiam dentro do carro, o esperando. Esse sentimento é particular, e como disse no início desse texto, sentido individualmente por cada espectador, e para mim foi devastador lembrar de como se passou minha saída de um destes estabelecimentos prisionais. Tudo perde o sentido, o mundo exterior é algo que não te pertence, que você não compreende de imediato. Perde-se a noção de tempo e espaço. A sua hierarquia de valores e coisas importantes, modifica-se. E a superficialidade de nossa sociedade atual aflora-se em cada novo contato social. Têm-se a impressão que tudo está viciado, que a realidade é ficção. Sua máscara social diária, que adotamos conforme a conveniência e o compromisso, não tem mais sentido. A crueza de nossa existência é mais importante. Na mesma noite de minha saída, minha família perguntou que comida eu gostaria de provar, e paramos em uma pizzaria, para eu degustar algo com "gosto de rua", porém, a iguaria não descia pela garganta. Recordava-me apenas dos ex-companheiros de cárcere que haviam ficado para trás. Só quem já esteve dos dois lados do problema (incluindo e sendo incluído), pode dizer com propriedade que a discussão sobre esse sistema punitivo e discriminatório faz-se urgente. Retornando ao filme, no final aparece na tela uma mensagem de uma juíza de direito dizendo agora acreditar na recuperação de quem supostamente delinquiu, reiterando a confusão de opiniões sobre esse equívoco chamado sistema carcerário. Que bom seria se todos pudessem afirmar enfaticamente em um tribunal: "meu nome não é Johnny, não é réu, não é reeducando, não é alcunha, não é aliases, não é um número, não é estatística...", e contar sua estória de vida. Um abraço!
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Camila: Aquele abraço afetuoso de sempre!
Márcia, Denilson, Carlos: Muito obrigado pelas palavras.
Cleiton: Difícil expressar indignação em forma de poema, e com talento. Parabéns!
Célia: Muito obrigado, Chico César cantou: "não aponte o dedo para Benazir Bhutto, seu puto, ela está de luto, pela morte do pai. Não aponte o dedo para Benazir! (aguarde)
Bezão: Um dos maiores desafios do candidato Barack Obama é provar para os próprios negros politizados dos E.U.A., que apesar da cor de sua pele, não é tão conservador e reacionário quanto seus colegas de partido Democrata, e que pode ser um líder como Malcon X, Martin Luther King, ou mais recentemente, Jesse Jackson, que tinham alguma proposta efetiva para lutar contra a discriminação em um dos países mais racistas e intolerantes do mundo. Gilberto Gil cantou: "Bob Marley morreu, porque além de negro era judeu. Michael Jackson ainda resiste, porque além de branco, ficou triste." É preciso ter atitude irmão, um abraço!

10 comentários:

Anônimo disse...

djalma parabens,seu texto é maravilhoso e me fez refletir muito.admiro muito seu talento,e acho que você merece alcançar o sucesso que tanto almeija.tambem assisti o filme, e me emocionei muito relembrando nossa estoria.não desista nunca,vc ja é um vencedor.um abraço!

Anônimo disse...

Djalma que bom voltar de viagem e reencontrar o seu blog com textox tão reflexivos e sensíveis você é muito talentoso meu filho.
Seu comentário sobre o candidato Obama, para o rapaz que deixou comentário em seu blog, é muito perspicaz, dedique-se mais à política meu querido, poucos têm seu discernimento acompanhado de conhecimento histórico.
Deus te abençõe!

Anônimo disse...

Cara mostrei seu post pra galera, mó legal! Eu tinha falado do filme mas ninguém queria assistir porque ainda tava naquela de Rá tá tá tá agora correram pro cinema e eu fiquei com a maior moral, valeu!

Anônimo disse...

Belo texto, Djalma! parabéns!

Anônimo disse...

Belo texto, Djalma! parabéns!

Anônimo disse...

Ó meu, sem querer pagar pau aí esse trocó que vc escreveu me bateu na emoção, já vi muito disso aí, num sabia que um policia pudia sinti assim, na real, firmeza

Anônimo disse...

É cara o velho Focault tinha razão, é punição acompanhada de flagelo.
Lindo texto!

Anônimo disse...

Quando vi o filme pensei no seu livro, tem tudo para dar um filme maravilhoso tb e vai dar acredite!
Abraços e continue nos brindando com esses textos.

Anônimo disse...

Bom dia Djalma!
Por que vc não faz um projeto e oferece para as Delegacias de Ensino para dar palestras para profs e alunos sobre esses temas que vc aborda em seu blog. A rede é muito carente dessas informações críticas, vc tem sangue de educador, tente.
Abraços

Anônimo disse...

Mas vc não acha que esse filme pega carona no sucesso de Tropa de Elite? Será que ele se destacaria tanto não fosse isso?