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terça-feira, 21 de agosto de 2007

Comentários e agradecimentos!

Descupem-me pela demora em responder aos comentários, afinal, o debate é a intenção a que esse espaço se propõe. Houveram contratempos que não me permitiram ser pontual nas respostas. No futuro, isso ocorrerá de forma mais precisa. Os cumprimentos, as indignações, a curiosidade, as ponderações, me deixaram satisfeito e com a sensação de ter atingido meu objetivo inicial, obrigado!



Mara: obrigado pelas palavras carinhosas, muito pertinente recordar seus comentários sobre o "socialmente construído" e da expressão referida pelo Oswald de Andrade: "ver com olhos livres..."



Juliana: agradeço o carinho e não esqueci nosso projeto do documentário, aliás, não quero te apressar, mas: aquele roteiro está adiantado? Seu profundo conhecimenbto de literatura me encanta, sua aula sobre "Macunaíma" foi impressionante!


Cláudia Silva: Obrigado pelo apoio, segui o seu conselho e iniciei esse espaço. Suas sugestões e abnegadas iniciativas para me ajudar a publicar o livro são imprescindíveis. Espero poder continuar contando com sua visita a esse modesto fórum de debates.


Fábio Shiraga: Reflitamos juntos, e que se estabeleça o debate! Obrigado pelo apoio. Meu filho está bem sim, com muita saúde, e é claro que me recordo daquele churrasco num domingo de sol, na sua agradável companhia. Quando perceber que estiver sol e se tratar de um domingo, me procure para a gente repetir a dose, ou as doses... Um abraço!



Roberto Barbato Junior: Obrigado pela análise completa desse projeto. Suas observações foram providenciais. Espero poder contar com sua experiência e conhecimento do assunto, baseados na sua concreta formação acadêmica, para me manter nos trilhos desse incipiente e pretensioso espaço.



Márcia: Obrigado pelo comentário, e bem vinda a este lado da estória. Depois de cento e dois recluso naquele calabouço um habeas corpus foi julgado no Tribunal de Justiça (2a. instância), e um desembargador determinou minha soltura, alegando que a prisão havia sido arbitrária, porém, continuo respondendo a um processo judicial aguardando sentença. O juiz que me julgará jamais me dirigiu a palavra me questionando sobre o ocorrido. Fui ouvido rapidamente em um tribunal da cidade de São Paulo, em um início de feriado prolongado, por uma juiza que aparentava total desinteresse pelo meu caso, através de um expediente chamado carta precatória. Relato isso em um dos capítulos do meu livro, espero que eu consiga publicá-lo, e que você tenha a oportunidade de lê-lo. Existem momentos da vida em que as coisas acontecem alheias ao nosso entendimento, porém, sinto-me com uma oportunidade única de expressar minha indignação e procurar soluções para essas vicissitudes que só atingem os menos favorecidos, conto com você!


Jorge: Você pensava que a "vida loca" só tinha uma face? Todos nós que estamos "correndo atrás" estamos sujeitos às injustiças. Já vi esse filme dos dois lados e estou à disposição para a reflexão, e se puder ajudar, estou sempre apto ao debate, que é a melhor maneira de atingirmos esse objetivo. Quando você se refere a "raça do caralho", citada na música "homem na estrada" do grupo Racionais MC´s, não tiro sua razão naquele contexto, e nem generalizo, porém, depois do que vi nesse profundo contato com várias facetas do mundo criminal e da indústria do crime, te digo que todos nós podemos ser uma "raça do caralho" de meros vingadores inconsequentes. E por falar em Racionais MC´s, no meu livro cito uma frase do brown no final de um capítulo:..."você sabe o que é frustração? É máquina de fazer vilão". Muito obrigado, e vamos ao debate, vai na fé também irmão!


Camila: Um abraço para você também, Camila! Muito obrigado pelo carinho. Estou afastado do meu trabalho enquanto durar o processo judicial. É um procedimento administrativo que não adianta contestar. O salário é cortado à metade, e você passa a ser visto como um pária, além de ter de pagar advogado. É injusto, mas não é ilegal. O que importa é que enxergo tudo isso como uma oportunidade de fazer a minha parte, compartilhando essa experiência e discutindo esse tema tão sério. A mácula e o constrangimento são para sempre, mas basta canalizar isso tudo em força para prosseguir. Mais uma vez muito obrigado!


Júlio Marcondes: Julio será um grande prazer contar com você para discutirmos nesse espaço, suas referências são as melhores. A Mara e o Ivam te têm em grande conta. Obrigado pelas palavras de incentivo, um abraço!


Edna: Obrigado pela visita, faz tempo sim. O presídio existe há aproximadamente 34 anos, e encontra-se meio dissimulado entre a penitenciária feminina da capital e penitenciária do estado, no complexo do Carandirú.

Dinho: Não apagarei seu comentário, ficará sempre onde está, apesar de ofensivo. Essa sua atitude o ratifica como combustível da indústria da punição que dá lucro para muita gente, menos para você. Espero que um dia você se conscientize e venha para o debate produtivo, justamente para mudar essa realidade que você sabe que existe. Coragem irmão, atirar para qualquer lado é muito fácil. Mostra a cara "Mister M"!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A inclusão


Para melhor ilustrar a problemática do assunto sugerido para debate na primeira postagem, transcrevo - texto editado e resumido - mais um capítulo do livro que tento publicar (Os execrados da av...), com o intuito de fazer sentir-se (mesmo em pequena medida) o significado e a necessidade de discutir-se esse modo obtuso de perceber a justiça.
Quando a viatura policial ganha a avenida Zaki Narchi, avisto o casarão velho e mal conservado de iluminação deficiente. 18 de abril de 2.006, o dia da minha injusta prisão, o dia em que algo em mim se perdeu. Encravado na confluência das avenidas Gal. Ataliba Leonel e Zaki Narchi, no bairro de Santana, na Zona Norte da cidade de São Paulo, existe uma construção obscura, com seus muros irregulares; calçadas mal conservadas; arames assimétricos e janelas residenciais gradeadas, formando em um cone obtuso, de arquitetura confusa e aparência repugnante, com suas paredes lúgubres espremidas entre prédios comerciais e as tradicionais e gigantescas Penitenciária Feminina da Capital e Penitenciária do Estado, uma edificação que passa quase despercebida, dissimulada entre o trânsito intenso da região e o grande fluxo de passantes, os quais - acostumados com a intensidade da movimentação urbana, com a profusão de estilos e com a poluição visual de uma das mais cosmopolita de todas as cidades do mundo - ignoram o que se passa no interior daqueles muros, que escondem uma das mais fascinantes micro-células da sociedade brasileira: O Presídio Especial da Polícia Civil. As grades nas janelas exercem inevitável magnetismo para os olhos de quem por ali passa e fita o P. E. P. C., despertando a curiosidade invariável que o cárcere representa no imaginário das pessoas, porém, elas vêm ali apenas mais um estabelecimento prisional, ou outra cadeia comum, que aos olhos desavisados nada têm de especial. Essa relativa discrição deve-se talvez à falta de imponência da construção, ou à evidente publicidade negativa que o órgão representa para o governo do estado, que parece esforçar-se para deixá-lo com esse aspecto de prédio abandonado, de prisão dissimulada, de importância secundária, que não chame a atenção para essa extravagância jurídica que beira a inverossimilhança. Presídio destinado a segregar policiais civis (detidos provisoriamente ou cumprindo condenação penal), o P. E. P. C. difere de todos os outros estabelecimentos prisionais do estado, sendo o único (...), vigiado e administrado por policiais civis da mesma carreira, funcionando com regulamento próprio e normas internas peculiares (ressalte-se que o presídio “Romão Gomes”, que destina-se a encarcerar policiais militares, segue a mesma inflexibilidade dos demais presídios do estado de São Paulo), o que o torna um segmento ímpar da história carcerária brasileira. O P. E. P. C. está subordinado à Corregedoria da Polícia Civil Paulista (ele foi criado através de uma resolução SSP/33 de 5 de novembro de 1.974) e segue a mesma formação cultural do seu órgão criador, a qual baseia-se num paradoxo entre a improvisação e informalidade e a rigidez dos seus ritos de polícia judiciária, avalizando um dito freqüente repetido reservadamente pelos funcionários desta instituição “aqui o provisório dura para sempre...”, resultando numa estrutura única, palco de estórias fantásticas, com personagens quase surreais, dessa acomodação provisória que já dura 32 anos. A Polícia Civil do estado de São Paulo apresenta um modo particular na sua estruturação, formação e prestação de serviços. As carreiras policiais civis diferem de todas as outras do funcionalismo público do estado, principalmente por seu modo de atuar, conduzir seus serviços e no seu ambiente de trabalho. No balcão de uma Delegacia de Polícia são depositadas diariamente doses elevadas de emoção e paixão, num turbilhão de acontecimentos que clamam por raciocínios rápidos, deliberações urgentes e pré-julgamentos. Diante desse quadro, seus funcionários envolvem-se cotidianamente com todas as camadas sociais, todos os níveis de humores e, invariavelmente, problemas de toda natureza. Apesar das condições adversas de trabalho, da má remuneração e do desprestígio com que a profissão é vista atualmente, exercê-la é motivo de orgulho para as pessoas que a compõe, as quais sentem no trabalho uma extensão de sua vida pessoal, trabalho este que - não obstante o resultado satisfatório de seus serviços - executam de forma quase mambembe, improvisada, contrastando com o excesso de protocolo da Polícia Militar do mesmo estado, redundando em uma cultura profissional confusa, com atitudes que às vezes excedem a volúpia em elucidar dramas sociais, ultrapassando a linha tênue que a separa do abuso de autoridade e da usurpação da competência do julgamento. Na esteira dessa singularidade da carreira policial civil paulista destaca-se seu correspondente no sistema penitenciário da mesma unidade federativa: o P. E. P. C.
Em São Paulo garoa intermitentemente em uma madrugada fria, que combina perfeitamente com o ar funesto do local e com o meu estado de espírito. Adentro o presídio, transpasso o portão de entrada conduzido por policiais da Corregedoria, sem algemas, carregando minha própria bagagem, uma bolsa com roupas e objetos pessoais. Sou apresentado aos policiais de plantão que me tratam com respeito - talvez por pertencerem à mesma carreira e sentirem-se constrangidos. Não revistam meus pertences, apenas perguntam se há somente roupas na bolsa, nitidamente mais preocupados com a burocracia dos papéis referentes à minha inclusão. È indescritível a sensação de ser classificado em uma cadeia. É como não ter mais identidade, tudo o que sua figura representava perde o significado, como se sua cidadania tivesse expirado o prazo de validade, você passa a ser algo que não deu certo e precisa ser escondido do convívio público, a humilhação é quase insuportável! Prisão preventiva, instituto muito criticado por parcela considerável de estudiosos da ciência do direito, visto que suprime a liberdade antes mesmo do julgamento, causando ao eventualmente inocente a desmoralização e a depressão aos seus sentimentos de dignidade. Segregar preventivamente, antecipadamente, como se eu pretendesse me tornar um foragido, sendo funcionário público, ocupando cargo de confiança (chefia), e tendo bons antecedentes. Como se eu pudesse ameaçar alguém, colocar em risco a ordem pública, e, principalmente, sem suporem que eu pudesse ser inocente e merecesse me defender em liberdade. Ignoram que a prisão em regime fechado é um mal irreparável para o espírito, para a vida social e para a família! Penso no meu passado de ideais de esquerda; na minha formação familiar e na minha dedicação à profissão, e sou invadido por um invencível sentimento de revolta. Mudam radicalmente a vida de um cidadão, com uma enxurrada de papéis frios, num alucinante processo Kafkaniano, e o destacam do seu meio, para, posteriormente, averiguarem a veracidade da denúncia. Sinto um turbilhão de indignações, que de certa forma me exauri e me prostra. Percebo minha defesa reduzida para satisfazer egos de altos funcionários públicos (juízes, promotores de justiça e delegados de polícia), contudo, tenho que alojar essa indignação em algum canto do meu ser, pois, dali para frente estou sob a custódia do estado, deixo de existir por um período e passo a pertencer a uma instituição carcerária. Deixo para trás (...). Passo a primeira grade de ferro e estou formalmente incluído no sistema penitenciário. Agora tenho que testar meu poder de mimetismo e me misturar àquela triste realidade, procurando me manter lúcido, me manter vivo, dentro daquela inexplicável ilha de desesperança. Sou direcionado a uma escada que dá acesso às celas do pavilhão, onde dois internos estão sentados e fumam despretensiosamente. Noto se aproximando a silhueta de um interno, cuja figura confunde-se com a própria história daquele estabelecimento, o indivíduo conhecido como “Polaco” - espécie de gerente do local - que, com seu prestígio entre os detentos e um certo trânsito na administração, mantém a paz na medida do possível e das regras do cárcere. (...). O pavilhão dos quartos/celas é dividido em dois andares, cada andar subdividido em três alas, e cada ala possui duas celas e um banheiro. As portas das celas são de madeiras (residenciais), o que denota ao local aspecto de quarto, mas, imediatamente após transpô-las, depara-se com as impactantes grades que segregam os detentos das demais instalações do presídio. As alas são separadas pelas referidas grades, que são trancadas as 22:00h, após a contagem dos presos, e reabertas as 08:00h. Em cada quarto/cela de 4x3 metros existem três beliches de ferro e um armário de madeira, os quais são divididos respeitando o quesito antiguidade na cadeia, porém, às vezes, o poder econômico fala mais alto e os espaços são comercializados. As janelas são de madeira (residenciais), com grades de ferro, e cada centímetro do lugar é disputado e reclamado por alguém. Há ainda o “Cingapura”, quarto no andar térreo com aproximadamente oito beliches apinhados e um banheiro coletivo, o pior ambiente do presídio; só mais habitável que o “Cinguinha”; um quarto também no andar térreo, sem janelas, com paredes revestidas com azulejo, um banheiro sem porta e alguns beliches de madeira; provavelmente uma cozinha desativada adaptada para abrigar o excesso de detentos. Segundo os presos mais antigos o ambiente no presídio está um “paraíso”, com aproximadamente oitenta detentos, com cama para todos. Relatam que a população carcerária já chegou a cento e cinqüenta homens convivendo no mesmo espaço, e quem chegava dormia no “sarcófago” (espaço no chão embaixo dos beliches) e muitas vezes, por falta desse espaço alternativo, na “praia” (espaço livre no chão entre as camas). Adentro o quarto/cela, avisto os beliches brancos de ferro, a janela de madeira pintada de branco e o armário de madeira também pintado na cor branca, porém, muito longe de significar a paz que a cor normalmente representa. Escalo a parte superior do beliche mais próximo à janela - com todo o cuidado para não incomodar os demais internos - e me deito com roupa e tudo, tendo nos bolsos um rosário que ganhei de minha irmã e um porta funcional/distintivo vazio, o qual carrego instintivamente.
Passo a madrugada em claro, tentando relaxar o corpo, mas fico remoendo pensamentos, sentindo o metabolismo acelerado. Ao amanhecer, inesperadamente, sinto uma paz interior, vislumbro em pensamento o sorriso do meu filho (...), de apenas cinqüenta e oito dias de vida; a beleza lépida de minha mulher Patrícia e o futuro reencontro com minha família. Lembro dos meus filhos (...), e adormeço... Passo o final da madrugada numa espécie de transe, entre pensamentos, lembranças e o barulho constante da movimentada avenida Zacki Nark.


P.S.: Agradeço muito aos comentários deixados nesse blog, e mesmo os comentários enviados diretamente para o meu e-mail. Obrigado pelas palavras de incentivo, pelo apoio e pelas sugestões. O debate é o melhor caminho para pensarmos sugestões para equacionarmos este grande equívoco e seus desdosbramentos negativos.

P.S.: Continuo na luta para tentar editar o livro mencionado, qualquer ajuda será bem vinda!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Falácias sobre o sistema penitenciário como panacéia social.

Como texto de abertura deste espaço, lanço à reflexão - e ao mesmo tempo externo minha indignação - sobre as inúmeras impropriedades que são ditas sobre este assunto, reproduzindo a introdução do livro que tento publicar (Os execrados da av. Zaki Narchi), a respeito da mais sinistra experiência de minha existência:
Durante toda a minha vida, sempre me senti incomodado com a visão ou simples lembrança de qualquer prédio cerrado com grades, destinado a encarcerar seres-humanos. Parecia-me uma solução estúpida, ineficaz e perigosa - por mais bem intencionado que fosse o objetivo desse constrangimento. Mesmo profissionalmente (trabalhando há nove anos na Polícia Civil Paulista), me repugnava o objetivo final de minha ação no cumprimento do meu dever legal: depositar o infrator em um calabouço governamental para que seu corpo fosse meramente expiado, numa espécie de vingança pública contemporânea, sem objetivos reais de recuperá-lo. Em abril do ano de 2.006 passei por uma experiência que me fez entender a razão daquela repugnância instintiva. Uma determinação judicial injusta - que não vale a pena discutir nesse contexto - fez-me provar do amargo e contraproducente meio, que a sociedade acredita ter encontrado, para reeducar cidadãos que delinqüiram ou que estão sob suspeita de terem infringido alguma lei penal. Mesmo tendo como palco dessa desventura uma instituição penitenciária que não encontra reflexo em nenhuma outra prisão do estado brasileiro, com suas singularidades e estilo próprio de auto gestão, acredito que esse súbito e desleal enclausuramento, despertou em mim uma indignação a muito contida, desvelando durante esse período em que parte de minha existência perdeu-se em algum lugar daqueles metros quadrados, dentro daqueles muros que encerram tanta revolta, ociosidade e desesperança; imensurável repúdio a essa ação justiceira do Estado. Entulham-se presos diariamente nas cadeias, e a justiça continua a ser sentida como simples punição e vingança.
Pretendo compartilhar, através dessa experiência; impressões e constatações da ineficácia do atual modelo penitenciário brasileiro e seus desdobramentos negativos, partindo do insólito universo de ex-agentes da lei encarcerados - o Presídio Especial da Polícia Civil do estado de São Paulo - com pertinente comparação à segregação de presos comuns, pontuando os efeitos devastadores do mero isolamento sem proposta de reeducação e reinserção social. Sob a ótica de quem passou cento e dois dias recluso naquela instituição prisional (P.E.P.C.), testemunhando estórias e ouvindo relatos de outros internos, funcionários e visitantes; passo a discorrer sobre dramas pessoais que explicitam a contingência de fatos inusitados, que podem mudar o destino de qualquer membro da comunidade, revelando a ele uma nova sobrevivência em situação de cruel condicionamento ao falho sistema carcerário expiatório. Busco ressaltar a extensão da punição estatal para a família do penitente, seu único esteio durante o enclausuramento; as isoladas tentativas altruístas de conforto e ressocialização do preso, realizadas por religiosos e pessoas abnegadas, e também os oportunismos e proselitismos; a inutilidade do sistema prisional como ele se apresenta atualmente; a descaracterização da proposta inicial da progressão do regime de cumprimento da pena dos condenados; a sexualidade e a promiscuidade nos calabouços governamentais; o descrédito dos detentos nas instituições oficiais; o reflexo da não ressocialização do infrator e o aliciamento por parte das facções criminosas; o distanciamento de legisladores, governantes e julgadores das problemáticas sociais que alimentam a "indústria da punição"; e, principalmente, o círculo vicioso da violência criminal urbana, relatada pelas mídias, que omitem em suas notícias, as violências sociais que o originou; e a demasiada execração pública e super exposição de delinqüentes, as quais avalizam o caráter velado de vingança por parte da sociedade, ao ir à forra dos transgressores às regras de conduta; e os reflexos negativos que essa mesma sociedade colhe com essa atitude inconseqüente. Recordando as palavras elucidativas do jornalista Jorge Coli, no artigo "O crime de todos nós", publicado no jornal "Folha de SP": "Diante de um crime, é fácil reagir instintivamente, desumanamente. No impulso, 'pagar a pena', punir, vingar, brotam primeiro. Só lá para trás, bem depois é que se arrasta, quase irrisória, a idéia de compreender, de sanar, de educar, de recuperar".
Nos momentos derradeiros do martírio de Jesus Cristo, o filho de Deus fora crucificado ao lado de dois malfeitores, um à sua esquerda e outro à sua direita. Um dos ladrões, percebendo que o especial momento extrapolava o ritual de expiação e flagelo, tratando-se realmente de algo sagrado, num último ato de arrependimento, suplicou:
- "Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no paraíso"; ouvindo, em seguida, a resposta confortadora de Jesus:
- "Em verdade te digo, que ainda hoje, estarás comigo no paraíso"; transformando um bandido confesso - São Dimas - no primeiro santo da Igreja Católica. Lembremos deste exemplo quando sentirmo-nos aptos a vestir o manto da vingança, e execrar publicamente qualquer suposto infrator das regras de convívio, sem esmiuçarmos o emaranhado de dramas sociais que culminaram em ato de delinqüência. Ressaltando, que por trás de toda anomalia social, esconde-se a culpa coletiva e a parcela de negligência de todos nós. Reafirmando que o Estado – representando toda a comunidade – têm o direito legítimo de punir, e o dever inescapável de recuperar! O debate, o mea culpa, a busca por soluções capazes de equacionar essa aberração social em forma de panacéia aos conflitos contemporâneos, faz-se urgente... Reflitamos!