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domingo, 24 de fevereiro de 2008

O que é que a Bahia têm?


Após vagar por incontáveis ruas e becos de Campinas/SP, tentando em vão procurar um alento, algo para acreditar, ou simplesmente me distrair com qualquer coisa, resistindo bravamente em não capitular frente a enxurrada de problemas quase incompreensíveis, resolvi parar em um bar no distrito de Barão Geraldo para rever um velho amigo. Havia falado com ele por telefone, e sabia que estava com um problema de hipertensão, tendo até ficado internado por uns dias. No bar, após cumprimentos, brincadeiras e recordações, ouvi o relato de uma das garçonetes, referida carinhosamente por "baiana", uma lutadora simpática, inexplicavelmente sorridente e bem humorada. Eu sabia que ela havia viajado para o seu estado natal no final do ano, e indaguei sobre a experiência de sacolejar por trinta horas em um ônibus, com o intuito de rever familiares e amigos. Surpreendi-me com sua resposta apática e triste, mas compreendi sua resignação quando ela contou o desencadeamento de fatos negativos e inverossímeis que insistem em ocorrer em nosso país, e nos envergonham profundamente. "Baiana" disse que após rever parentes, e matar um pouca a saudade de sua Eunápolis, cidade ao sul da Bahia, com aproximadamente 94.354 habitantes, próximo a badalada Porto Seguro, resolveu procurar por seu melhor amigo na cidade, o qual estava aniversariando e havia reservado um local público freqüentado pelos jovens menos abastados da cidade para fazer uma grande festa. Tudo muito humilde e em esquema de mutirão. Era uma sexta-feira (28/12/2007), e o local estava abarrotado, muita música baiana e bebida alcoólica à vontade. Ao chegar à festa, "baiana" avistou o amigo de longe, mas devido a turba que o cercava no momento, parou para tomar uma cerveja e cumprimentar outros conhecidos. Ainda à distância, acompanhou apreensiva a primeira confusão que se formou, com alguns jovens se desentendendo, e com a intervenção providencial do amigo para dirimir o alvoroço. Minutos depois, por causa de bebida, gostos musicais diferenciados ou qualquer outro motivo fútil, o amigo se viu diretamente envolvido em nova confusão, onde dois rapazes o ameaçavam. O aniversariante não queria tumulto naquela data, e relevou as ofensas, pedindo aos dois contendores, que deixassem aquilo prá lá, que depois resolveriam. Virou as costas e pôs-se a curtir a festa, dando o caso por encerrado. "Baiana" resolveu então atravessar o "oceano" de gente e finalmente cumprimentar o amigo, e quando chegava a poucos metros do mesmo, pôde ver um dos garotos que o havia ameaçado passar uma arma para seu acompanhante, que sem hesitar, atirou contra a sua cabeça. À "queima-roupa", sem anúncio, sem perdão, sem sentido... A vítima foi socorrida imediatamente e encaminhada para o hospital público da cidade. A forma pela qual os amigos do aniversariante julgaram "sentir a justiça" foi através do quase linchamento do dono da arma utilizada no crime, o qual foi alcançado e agredido raivosamente. Inexplicavelmente não morreu, após ataques ferozes de quase todos os presentes à fatídica festa. Segundo a própria "baiana" relatou naturalmente: "o cara ficou com o rosto todo deformado, mas não morreu, você acha?" O atirador conseguiu escapar, enquanto seu comparsa era reiteradamente espancado. Na manhã do outro dia (sábado), os amigos retornaram ao hospital para saber qual era o estado da vítima e ficaram perplexos frente a indiferença e conformismo do atendente, que então os comunicou que aquele hospital (como toda a cidade de Eunápolis/BA) não era provido de UTI, e que a vítima havia sido apenas "estabilizada", sem radiografia ou tomografia do crânio, o qual tinha sido perfurado pelo projétil da arma-de-fogo. Estarrecidos, os amigos telefonaram para a cidade mais próxima (Porto Seguro/BA, com aproximadamente 114.459 habitantes, a 62 km de Eunápolis/BA) e foram informados que a UTI daquele município estava ocupada, e não poderia receber mais ninguém. Tentaram a cidade de Teixeira de Freitas (cidade com 121.156 habitantes, e a aproximadamente 196 km de Eunápolis), onde finalmente conseguiram uma UTI para o amigo. A odisséia continuou quando o hospital de Eunápolis comunicou que a única ambulância do município estava sem combustível, obrigando os amigos a realizarem um rateio entre os parentes e conhecidos, e conseguir o dinheiro para abastecê-la. Porém, uma ambulância para deslocar-se de um município a outro com um paciente, necessita impreterivelmente de um médico, e, para variar, o hospital não contava com nenhum. Com muito esforço, conseguiram convencer um médico que atendia apenas clientes "particulares" a transpor esta barreira pela módica quantia de R$ 600,00; dinheiro conseguido com novo rateio e muita persuasão. Quando preparavam-se para levar o amigo para o município de Teixeira de Freitas/BA, foram comunicados de um grave acidente em uma estrada da região, e devido ao número de vítimas, o referido acidente deveria ter prioridade no atendimento. Nova espera, e apenas no domingo, o amigo conseguiu ser removido para a única UTI disponível na região. O tratamento médico em Teixeira de Freitas/BA foi satisfatório, a vítima permaneceu em coma, e apesar dos procedimentos corretos, não resistiu e morreu horas depois. O médico que o atendeu até constatar sua morte cerebral, disse aos amigos que o acompanharam até àquela cidade, a perturbadora frase:
- "Esse rapaz queria viver, e lutou muito contra a morte". Quando a enlutada turma de amigos retornou à Eunápolis/BA, foram recepcionados pelos companheiros que haviam ficado, os quais contaram que o atirador havia fugido para a cidade de Vitória da Conquista/BA, e foi visto tomando o ônibus para aquele município. As autoridades policiais de Eunápolis/BA, informadas da fuga do matador, telefonaram para a delegacia da cidade de Vitória da Conquista/BA, porém, o delegado local afirmou que não poderia deter ninguém, pois não havia efetivo policial suficiente naquela período de festas de final de ano, alegando ainda que precisava de papéis em mãos que comprovassem o delito, permanecendo o crime impune. O estado da Bahia, cuja capital Salvador é uma das mais reverenciadas do país, foi governado durante décadas pela família Magalhães (exemplo clássico de coronelismo), e o recém falecido Antônio Carlos Magalhães, conhecido e venerado no estado como "painho", elegia com facilidade qualquer político, para qualquer cargo, naquelas paragens, tendo perpetuado sua influência com filhos e netos em cargos eletivos. Nenhuma sociedade fica impune ou escapa ilesa de suas más escolhas, motivadas pela falta de informação e ignorância; e Paulo Junior, o amigo de 21 anos da garçonete, lutou até o último fio de sua vida contra desmandos, ingerências, abusos de poder, usurpações, apropriações, roubalheiras e saques ao bem público, que levam qualquer civilização à estagnação, brutalização e apatia; com chances escassas de vencer esse mal que corrói as entranhas de nossa nação.
Um abraço!
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Álvaro: Vi o carnaval em sua cidade pela TV, grande festa. Entendo perfeitamente o que você disse. O lado positivo da folia é que conservaram as marchinhas (exclusivas durante os cinco dias). Linda a sua cidade. Um abraço!
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Carlos, Camila, Carla, Mara, Róbson: Providencialmente, as palavras de incentivo e carinho chegam nos momentos mais delicados da nossa existência. Dá até para acreditar na vida quando isso acontece, obrigado!
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Célia: Existem sim, são as "casas de custódia". A teoria diz o seguinte: "é uma casa de saúde a qual são levados os condenados por pena de reclusão que não possuem capacidade plena de entender o fato criminoso que cometeram e pelo qual foram condenados, ou aqueles que cometeram o crime em estado de embriaguez e foram declarados ébrios habituais. Nessa casa, o criminoso é submetido ao tratamento clínico necessário." Bela teoria, porém, na prática ocorrem as mesmas mazelas da vingança institucional de outros estabelecimentos prisionais, sem objetivo de recuperação, apenas com o intuito de castigar e expiar o corpo e a mente do encarcerado. Um exemplo clássico em São Paulo é a casa de custódia de Taubaté, o "Piranhão", onde estão detidos o "Maníaco do parque", "Pedrinho Matador", "Chico Picadinho", entre outros. Algumas dessas instituições são melhores do que retratado no filme, mas a maioria é pior ou igual. É a cadeia tradicional com aspecto e práticas dos antigos manicômios. Acrescento uma curiosidade, foi nessa Casa de Custódia de Taubaté, na década de noventa, que foi criado (com estatuto e tudo) o tão noticiado Primeiro Comando da Capital (P.C.C.). Um abraço!
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Fábio Shiraga: Concordo plenamente com sua colocação, fazemos política o tempo todo, mas quem se julga "apolítico", seja por revolta como você disse, comete o erro total: revolta-se contra o status quo, e age com omissão ajudando a perpetuá-lo. Um grande abraço, amigo!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Política, prá quê?


Lembro-me de meu pai pedir para que ficássemos em silêncio durante o telejornal das 20:00h, quando conversávamos diante do televisor. Como micro-comerciante e cidadão, acompanhava com grande interesse ao noticiário político/econômico. Em 1.986, durante o governo do presidente Sarney – primeiro presidente civil após mais de duas décadas de ditadura militar – eu estudava no Colégio Salesiano de minha cidade natal e assisti pela TV da cantina ao pronunciamento do ministro de Estado, informando sobre a decretação do Plano Cruzado. A notícia repercutiu como uma declaração de guerra, tamanho impacto que causou à população. Quando cheguei em casa, meu pai permanecia "plantado" defronte à TV, até o último telejornal, já no início da madrugada. Na ocasião, congelaram-se os preços e salários; aumentaram os impostos; tabelaram os juros; a inflação chegou a zero e o consumo explodiu. Apesar das dificuldades de um arrimo de família pobre do interior, meu pai assinou "às duras penas" por mais de vinte anos um grande jornal da capital paulista, com o nobre intuito de manter seu lar bem informado. Avalizou, torceu, acompanhou e sofreu com os malogrados Plano Cruzado 2 (1986); Plano Bresser (1987); Plano Verão (1989); Planos Collor 1 e 2 (1990/1991); e o derradeiro que o combaliu, Plano Real (1994). À época, meu pai já era comerciante havia vinte e oito anos, e tinha se acostumado a sobreviver com a inflação e outras mazelas econômicas. Juntamente com uma legião de outros pequenos comerciantes, não teve nenhum apoio ou esclarecimento de como adaptar-se à súbita "estabilidade", e nunca mais recuperou a saúde do seu negócio. Após apelar para tudo (todas as leoninas armadilhas do sistema financeiro), e dedicar-se exaustivamente ao trabalho em seu comércio por mais quatro anos, resignou-se. Agarrou-se a uma desmedida crença religiosa, e desistiu de acreditar em "coisas de política". Mesmo presenciando a brava luta de meu pai contra as inabilidades e experimentações políticas, e compreendendo seu profundo desgosto com a classe, sinto saudades de sua dedicação e perseverança, quando não havia optado em apenas orar por esse país. Contudo, tenho grande temor quando vejo a maioria da população jovem do Brasil, ignorando e negligenciando a política, individualizando egoisticamente sua conduta, alienando-se em entretenimentos vazios, assistindo a tudo sem postura crítica, acostumando-se a escândalos e malversação do bem público, com lamentável apatia. Realmente não compreendo quando pessoas descrevem seu perfil no site de relacionamentos Orkut, no item que questiona sua participação política, assinalando a opção "apolítico" (como se isso fosse possível), orgulhando-se e procurando eximir-se de qualquer culpa pelo mal andamento de nosso país. Admito que é muito difícil não desanimar e capitular frente a tantas más notícias, discursos demagógicos, práticas escusas. Nunca os políticos se pareceram tanto, e é raro destacar matizes que fujam do cinza dos nossos representantes em todas as instâncias. Mas, existem duas maneiras de mesmo peso para cometer uma falta grave: a ação e a omissão; e omitir-se é o mesmo que avalizar incondicionalmente esse estado de coisas. É imprescindível aliar as duas armas mais importantes – talvez as únicas – a que um cidadão pleno pode lançar mão nos dias atuais: conhecimento e participação política direta. Informação é combustível poderoso que faz mover as engrenagens da sua vida, por esse motivo ela é tão negligenciada. Fazer política não é meramente participar daquele concurso esporádico, e escolher candidato através do "show de horrores" do oneroso horário político. Em tempos de sobrevivência, não pretendo recriminar ninguém, e sei o quanto é cruel essa luta cotidiana para a maioria da população. Aceite o pão, aceite o circo, mas não se esqueça de exigir o livro, que certamente abrirá seus olhos e o tornará crítico, cético, exigente e com chances de melhorar sua árdua existência. Esse lamaçal tem que acabar, só depende de você!
O ateniense Péricles discursou com orgulho aos seus concidadãos, após a guerra do Peloponeso: "Nós somos o único povo a pensar que um homem alheio à vida política, não deve ser considerado como um cidadão tranqüilo, mas como um cidadão inútil".
Um abraço!
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P.s.:
Que tristeza me causou, constrangimento,
Vergonha, vexame, catatonia...
Nós que acompanhamos desde o surgimento,
Lutas, tomada do poder, ascensão e agonia.
Dessa confusa corte, outrora combatente
Onde figurava companheira tão humilde,
Ver seu nome execrado publicamente,
Indefensável, por ávidas "bocas de Matilde".