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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

É Natal!



Papai Noel, Velho Batuta!

Papai Noel velho batuta, enjeita os miseráveis


eu quero matá-lo, aquele porco capitalista,


presenteia os ricos, cospe nos pobres,


presenteia os ricos, cospe nos pobres.


Mas nós vamos sequestrá-lo, e vamos matá-lo, por que?


aqui não existe natal, aqui não existe natal, Por que?


(grupo punk "Garotos Podres")

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Feliz natal!

É nossa a festa

Que era dia do criador.

Mesa farta

Mesa falta

É nossa hora

De esquecer a dor.

A hora é de luz

As estrelas no céu

São o lustre do teto

Que a todos seduz.

A hora é de festa,

Mas outros meninos

De outras manjedouras

Carregam sinos pequeninos

Em usinas e lavouras.

A hora é de festa

Na casa do patrão

E na casa do empregado.

Numa Jesus não se manifesta

Na outra não foi convidado.

(Sérgio Vaz, poeta e escritor)
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Esses dois textos tão distintos, traduzem minha empolgação com data tão comercial, a qual deveria ser de muita solidariedade. Quase ninguém se lembra do aniversariante, e ao contrário, cerram os olhos e consomem assustadoramente. Natal dos Shoping Centers, supermercados lotados, e enormes diferenças sociais e constrangimentos. Pais apreensivos, filhos ávidos por presentes, esmolas de quem "faturou em cima do seu irmão", e falta de senso crítico dos que aceitam as migalhas em forma de "doações" em favelas e cortiços. Mais um ano, mais um natal, tudo igual...



terça-feira, 25 de novembro de 2008

Barack Obama e a bola 8

No dia 04 de novembro de 2008, os Estados Unidos da América elegeram seu primeiro presidente negro. É inegavel que trata-se de um algo relevante e surpreendente, principalmente pelo fato do país estar atravessando sua pior crise econômica e financeira desde a "grande depressão" dos anos 30. Historicamente é um grande feito; politicamente, nem tanto. Após o malfadado governo do atual presidente George Bush, não sera tão difícil superá-lo em administração. No início da campanha eleitoral, John Mc´Cain postou-se como representante da ala moderada do partido Republicano, e o democrata Obama posicionou-se de forma flexível - de acordo com o estado onde discursava. Mc´Cain endureceu seu discurso e cedeu espaço a sua ultra-conservadora vice Sarah Palin, ao passo que caía nas pesquisas de opinião. Por sua parte, apesar do lema de sua campanha (change=mudança), Obama não as fará de forma tão radical assim, basta inteirar-se sobre a sua atuação como senador por dois mandatos. O futuro presidente é deveras melhor preparado que o atual. Formou-se em Direito pela Universidade de Harvard; foi membro da igreja da Trindade Unida de Cristo, a qual prega uma "teologia da libertação negra", porém, afastou-se do reverendo Jeremiah Whight durante a campanha, quando adversários exploraram dubiamente um discurso do religioso como "anti-americano". Em referência ao combate à crise americana causada pela ganância de seus próprios cidadãos - vale lembrar que nos anos trinta o presidente Franklin Roosevelt (um dos mais respeitados presidentes democratas) levou oito anos para vencer a grande depressão. Ressalto, que mudança política radical seria se alguns outros candidatos concorrentes de Obama - como a negra Cyntia Mc Kinney, do Partido Verde, a qual defende o fim do investimento em guerras e que o governo seja mais presente na vida da população americana; ou como a latina anti-globalização e fã de Che Guevara Glória La Riva, do partido Socialismo e Libertação, a qual defende a implantação do socialismo como a "única resposta", que quer estatizar a saúde, legalizar imigrantes irregulares, acabar com o embargo à Cuba e levar o presidente Bush à julgamento (devido a guerra do Iraque) - tivessem uma votação ao menos "expressiva". Em suma, o radicalismo na vitória de Barack Obama para a presidência dos E.U.A. acentua-se mais pela cor de sua pele, do que pelo seu posicionamento político. Sua vitória é comemorada em quase todas as partes do mundo pelo fato dele ser negro. Até o diretor de cinema Spike Lee (o qual realizou obras maravilhosas como "Mais e melhores blues", "Faça a coisa certa" e "Malcolm X") extrapolou sua alegria dizendo que não acreditava que estivesse vivo para ver o dia em que um negro seria o presidente dos E.U.A. Felicidade justificável em um país onde o preconceito racial é escancarado, como nas declarações recentes do diretor do grupo racista que apóia a supremacia branca, e que cansou de pendurar negros em árvores ao longo de sua história "Ku Klux Klan", o qual afirmou que Obama é apenas "meio" negro, visto que foi criado em um "lar branco", porque seu pai negro o havia abandonado quando criança. Porém, Barak Obama não é nenhum Martin Luther King, Malcolm X ou mesmo Jesse Jackson. Não estão assumindo a direção do país um negro (presidente Obama) e uma mulher (secretaria de estado Hilary Clinton) e sim, dois democratas que sabem muito bem "jogar o jogo" do capitalismo. Ao menos, lá na parte norte da América, o inimigo racista é explícito e não velado, camuflado e covarde como no Brasil. Onde, de geração em geração, os afro-descendentes (não importando seu grau de miscinenação) sofrem discriminação implícita, disfarçada, recorrente, sem reação ou desaprovação na maioria das vezes. Dias atrás, observava um grupo de jovens abastados financeiramente, brancos, estudantes da FACCAMP (faculdade particular com altíssimas mensalidades, que pretende ser a "Harvard" brasileira, instalada dentro do campus da UNICAMP) jogando sinuca em um bar, quando um deles - ao errar a bola 8 - repetiu displicentemente: "tinha que ser! Meu avô, depois meu pai, sempre disseram que enquanto não matar a bola 8 não se ganha o jogo, ela é zicada, dá azar...), em alusão ao preconceito repetido até em um simples jogo, em referência a cor preta da bola. Por falar em preconceitos implícitos no cotidiano brasileiro, se Barack Obama tivesse sido eleito presidente do Brasil, um racista acalmaria outro dizendo: "calma, ele é um preto de alma branca..." O problema é que aqui o inimigo é mais "suave" e perigoso do que o estúpido e revanchista diretor da Klan. Um abraço!
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Mara: Obrigado, espero que isso se realize em breve!
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Camila: Espero encontrar você em um desses eventos, seria um grande prazer!
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Patrícia: Amor, realmente a poesia do Sérgio Vaz é contagiante, um beijo!
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Digão: o respeito é mútuo, a revolução continua, a reação está virando um monstro!
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Carlos: Penso como você, e tem coisas de qualidade sendo produzidas por lá!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mostra Cultural da Cooperifa!



Djalma Oliveira, o escritor Ferréz, o poeta Sérgio Vaz e uma estudante de história que não recordo o nome



Marcelino Freire (poeta), Sacolinha (escritor), Sérgio Vaz (poeta e escritor) e Ferréz (escritor)





Ontem fui até a Casa Popular de Cultura do M´Boi Mirim, na zona sul da capital paulista, conferir o debate: "Existe uma escrita periférica?", com mediação do poeta Marcelino Freire, e com a participação dos debatedores Ferréz (escritor), Sacolinha (escritor) e Sérgio Vaz (poeta), e a impressão não poderia ter sido melhor. Acompanho aqui da minha cidade a revolução literária e as agitações culturais da periferia de São Paulo, mas nada como ir até lá e constatar o quanto isso é realidade. A cooperifa está completando 7 anos de luta, e é reconfortante verificar ao vivo o quanto ela já produziu de cultura de qualidade. Antes do debate, ouvimos um CD com diversos poemas de artistas locais, e afirmo que trata-se de ótima literatura. O debate foi elucidativo, provocante e de alto nível, é indizível a satisfação de atestar algo tão positivo em um lugar tão carente de investimento estatal. Talvez por isso mesmo, que o resultado é tão puro e satisfatório, é arte brasileira legítima, onde literalmente - segundo palavras do próprio poeta simpatissíssimo Sérgio Vaz - as palavras sangram! Um abraço!

Obs.: O evento com várias atrações de literatura, dança, cinema, debates, música..., o qual durou quase uma semana, não foi noticiado em nenhum órgão da imprensa paulista.


quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ensaio sobre a cegueira.


Semana passada assisti ao filme “Ensaio sobre a cegueira”, do diretor Fernando Meirelles, baseado no livro do escritor José Saramago. A estória é sobre uma epidemia de cegueira branca que atinge a humanidade e leva as pessoas a explorarem seus instintos primitivos. O enredo desenvolve-se focando um grupo de pessoas atingido pela enfermidade, o qual busca a sobrevivência em meio ao caos, liderados por uma mulher imune à tal doença. Não obstante a qualidade do filme e sua imediata e contundente capacidade de nos remeter à mais profunda reflexão sobre nossas vidas, chamou-me à atenção o raciocínio sobre a cegueira “branca”. O preto seria a ausência de luz, impedindo a visualização; e o branco exatamente o excesso de matizes, de cores, o que levaria igualmente à cegueira. Seria o “ver demais” e “enxergar de menos”. Uma espécie de miopia do senso crítico, um astigmatismo social. Impossível não comparar com nossa visão adestrada pelos meios de comunicação de massa e os últimos acontecimentos. Um fato histórico ocorreu dias atrás no centro da cidade de São Paulo. As polícias civil e militar – pela primeira vez na história – enfrentaram-se violentamente sob o olhar neo-liberal do governador do estado. Por trás da simples e superficial “cobertura” da imprensa, há relevantes e pontuais observações. A polícia civil, pela primeira vez desde a sua fundação, reivindica - seriamente - melhores salários e condições de trabalho. Mesmo razoavelmente organizado, com pouco aprofundamento político, o movimento por si só, trata-se de uma evolução. Um grande número de profissionais da carreira policial civil está participando ativamente dos protestos. O que antes era tratado dentro da própria instituição como "bobagem", "perda de tempo", agora é encarado com comprometimento. É público que as polícias não são vistas de forma positiva pelos olhos da sociedade, muito pelo seu passado de "braço armado" da classe dominante e abastada, mantenedora do status quo, sendo o órgão repressor e avalista do autoritarismo. A mudança radical está no resultado de enquetes promovidas por órgãos de imprensa, que atestam o apoio da população aos protestos dos policiais. Esse é o momento da polícia civil enterrar de vez seus equivocados serviços prestados à ditadura militar, guinando sua atuação de polícia judiciária para perto da população, como deve ser. Para os que acham isso deveras utópico para um órgão público tão complicado e arraigado ao retrocesso, atente-se para uma faixa erguida por um grupo de "tiras" durante a passeata que redundou no confronto com a P.M., estampada pelos principais jornais de São Paulo, "se você não quer brigar pelo seu salário, é porque não está precisando dele", em clara alusão aos servidores atrelados à corrupção, que realmente não dão a devida importância aos seus vencimentos oficiais e à persistente greve. A polícia militar, por sua vez, continuou a servir de tropa de choque do governo, despreparada e irresponsável, ao participar do conflito em área pública, movimentada, colocando em risco os passantes, não avaliando seu papel dentro do processo democrático, nem durante e nem após a confusão. O governador, ratificando uma equivocada posição tomada pelos políticos que vieram de um passado de luta pela democracia, os quais abominam ser chamados de fracos e vacilantes pelos truculentos de plantão, determinou que se repreendese a passeata à força, sem diálogo, numa clara demonstração de falta de sensibilidade política, à moda "tucana", que enfrenta radicalmente às vistas da imprensa, e compõe e faz acordos nos bastidores. Apesar dos oportunismos, sindicalistas profissionais, discursos equivocados, trata-se de uma real evolução, apesar de parte da imprensa noticiar apenas como um distúrbio. Resta-nos acompanhar com olhos imparciais e atentos, e colaborar para o avanço democrático deste órgão público tão carente de ações sociais e relevantes. O que ocorrerá lentamente, devido ao enorme período de letargia que seus servidores atravessaram, porém, com a intervenção social, para cobrar os trabalhos e apoiar as reivindicações, esse processo pode surpreender. Alguém conseguiria fazer um exercício, e imaginar ser tratado com cordialidade e cidadania ao chegar em uma delegacia de polícia? Ou de imaginar uma greve efetiva e pontual de policiais civis apanhando da P.M. Basta equacionar essas "ilusões de ótica", e fazermos nossa parte. Um abraço!
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P.s.: O adolescente desequilibrado e possessivo, tomou de assalto o apartamento de sua ex-namorada, inconformado com o rompimento do romance, e a fez refém - juntamente com uma amiga. Parte da imprensa, com a falácia do "dever de informar", espetacularizou e confundiu, contribuindo para o desfecho trágico. Até quando isso irá ocorrer, com a nossa anuência e nenhum questionamente?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

De volta ao calabouço da av. Zaki Narchi

Quando inicia-se um processo judicial, tudo pode ocorrer às partes envolvidas. A defesa é reduzida aos ritos previsíveis, automatizados e fugazes das audiências forenses. Dependendo de como o “monstro de papéis timbrados” vai tomando forma, reduz-se vertiginosamente as chances de defesa do acusado. Em primeira instância, há um “justiçamento” incessante, e somente à partir da segunda instância da justiça, passa-se a configurar-se um julgamento propriamente dito. Pertinente esclarecer o significado dado a dois verbetes da nossa língua, conforme os dicionários mais populares: justiça: “a virtude de dar a cada um aquilo que é seu”, e justiçar: “punir com a morte ou com suplício”. Isso tudo já me enojou o bastante para perder mais tempo com esse espetáculo dos “semi-deuses” togados, e de certa forma, essa luta contra o “leviatã”, é uma luta particular, da qual tenho convicção que sairei vencedor; ou ao menos, causarei alguma avaria nesse injusta, cruel, e covarde estrutura estatal. Porém, o que cabe a mim relatar é que depois de dois anos da minha inclusão no Presídio Especial da Polícia Civil, quando organizava aos poucos minha vida, e estancava as feridas familiares causadas pelo trauma do encarceramento, fui surpreendido novamente com uma ridícula reinclusão no P.E.P.C., referente ao mesmo processo, retornando ao calabouço da av. Zaki Narchi. Uma nova decisão de um juiz de segunda instância, pôs fim a esse novo martírio, após 22 dias, alegando novamente que não havia motivo para a prisão. Mas, minha intenção primordial é narrar de que forma reencontrei o presídio e os penitentes, atestando a ineficiência desse modelo punitivo, supostamente de recuperação, a que me referi no livro que escrevi, do qual disponibilizei alguns capítulos nos posts iniciais desse blog. A estrutura física do presídio está mais deteriorada, suja e insalubre. “Polaco” depois de 13 anos recluso naquela “masmorra” foi libertado, e como eu pressagiava no capítulo que escrevi sobre ele, o presídio perdeu uma importante parcela de “urbanidade”. Até a hora da refeição na “boqueta” (também descrita em outro capítulo do livro) está mais tensa e desorganizada. O lugar continua dominado pelo ócio naquele campo infértil de martírio humano. Os urubus continuam pousando na caixa d´água da Penitenciária Feminina da Capital. O ar continua pesado, causando o estranho efeito do corpo mover-se – fugindo da depressão – e o espírito chegar apenas alguns segundos depois, trazendo de volta a consciência e a vigilância. É impressionante viver isso, aquele lugar continua surreal. Os evangélicos continuam sectários e os espíritas resignados. Delegada Maria agora não ocupa mais o templo religioso para suas aulas. Por causa da falta de interesse dos detentos, agora ministra suas aulas em pé, no pátio, andando entre as “bancas”, discursando sobre cidadania, direitos e deveres ao vento, lutando muito para “arrancar” as assinaturas necessária para a continuidade do seu trabalho naquele estabelecimento prisional. Em uma quarta-feira, dia de visitas, três juízes corregedores estiveram no presídio. Acompanhados de dois funcionários, adentraram a velha biblioteca improvisada (e agora mais abandonada). Indaguei a um interno sobre a razão da presença das autoridades e ele respondeu-me que tratava-se de uma visita de praxe por causa da CPI do Sistema Carcerário. Alguns poucos detentos conversaram com os apáticos juízes, porém, focalizaram equivocadamente o que mais interessa aos presos, a execução criminal e a progressão de regime, em detrimento daquela inútil forma de expiação humana. A indústria da punição não pode parar, aos olhos da alienada massa de encarcerados, que segue desarticulada, mal informada, urrando as injustiças durante o dia, e clamando aos céus pela liberdade à noite, embalada pelo bonito hino dos evangélicos: ...”você tem valor, o espírito santo se move em você!” Mesmo que através da inércia da vida entre muralhas. Um abraço!

terça-feira, 29 de abril de 2008

Sinestesia

Poucas pessoas, no começo do século XIX, precisavam de um publicitário para lhes dizer o que elas queriam (John Kenneth Galbraith). Ao longo do tempo, isso mudou gradativamente, até chegarmos aos nossos dias de total subserviência à sociedade da "representação" e impessoalidade. O "mundo virtual", criado para diminuir distâncias, quando manipulado habilmente, impõe hiatos intransponíveis às relações humanas. Empresas prestadoras de serviços, com o sofismável argumento de querer facilitar o contato do cliente com quem lhe oferece o produto, criaram os maquiavélicos "call centers", onde o contato ocorre apenas através das ondas invisíveis da comunicação à distância, redundando no inacreditável desprezo dessas empresas para com seus clientes. Tente uma comunicação com as empresas de telefonia, por exemplo. Institucionalizamos o estelionato. Nossos representantes nas casas legislativas se blindam de tal maneira, que um contato pessoal "à moda antiga" parece uma ofensa. Mas, seus "sites" e endereços eletrônicos – elaborados e pensados por "marketeiros políticos" – parecem convidativos, com perfis combatentes, e fotografias estratégicas, porém, ao tentar um contato, o máximo que o eleitor e principal interessado conseguirá, será receber periodicamente informativos inúteis de participações políticas questionáveis, chavões e "lugares comuns". As relações pessoais tornaram-se tão superficiais, que têm-se que tomar muito cuidado com o que se diz ou escreve para não comprometer-se de alguma maneira, ou "passar uma imagem negativa". Não importa que você seja um imbecil, um hipócrita, ou que sua inteligência seja extremamente "tímida", basta que você seja bem assessorado e estude o que vai dizer antes de comunicar-se. Os discursos frenéticos e apaixonados dos transparentes alunos dos cursos de história e sociologia nos "bares da vida" de outrora, deram espaços para orgulhosos, promissores e desconfiados jovens ostentando camisetas bonitas de cursos da moda como "midialogia", "publicidade e mercado", ou do intrigante "marketing político". O mundo invisível e virtual vai tomando vulto, e aos poucos vamos nos acostumando a obedecer, nos movermos e agregarmos esse modo de vida à nossa existência, onde tudo precisa ser interpretado, onde nossos sentidos não mais percebem primariamente, com alguma reflexão. No livro do escritor americano John Steinbeck, "As vinhas da ira", lavradores que desbravaram as áridas terras do estado de Oklahoma como arrendatários, e devido às más colheitas que conseguiam em solo tão pobre, foram contraindo empréstimos que tornaram-se impossíveis de serem saldados, indignavam-se com a perda da posse de suas propriedades para tal instituição financeira, e em um dos diálogos, um dos lavradores conscientiza-se que não sabe nem sequer com quem reclamar:
- Mas essa é nossa terra, nós a cultivamos, fizemos ela produzir. Nascemos aqui e queremos morrer aqui.
- É pena, sentimos muito, a culpa é dos bancos.
- Mas os bancos são dirigidos por homens.
- Não, vocês estão enganados, um banco é mais que um simples banco, é um monstro. Os homens fizeram os bancos, mas não os sabem controlar.
- Então vou matar o diretor do banco, o presidente.
- É, mas dizem que o banco recebe ordens do leste.
- Então, quem devo matar?
- Bem, talvez não haja a quem matar.
Sempre gostei de escrever, e algumas vezes, utilizava - mesmo inconscientemente - algumas figuras de linguagem para enriquecer o texto, ou para torná-lo menos óbvio, porém, naquela época, a sinestesia (transferência de percepções da esfera de um sentido para a de outro) era empregada para construir pensamentos, não para desconstruir convicções. Os ouvidos ouviam; as mãos sentiam; e os olhos viam e apreendiam, livres e desobstruídos. E um bom "olho no olho", valia mais que mil palavras. Um abraço.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Quanto custa a sua "indignação"?

O satisfatório deste espaço é a interação entre pessoas de lugares diferentes, opiniões diversas, que enriquecem o debate, e revelam o grau de desenvolvimento cultural em que nos encontramos. Particularmente, tenho aprendido bastante, e recorro aos visitadores, para tentar dirimir as dúvidas que suscitaram com as notícias veiculadas nos principais noticiários nesta semana. Um levantamento da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo demonstrou o nível de aprendizado deprimente dos alunos da rede pública de ensino. Até aí, nada de novo. Diariamente, somos bombardeados com as notícias – que parecem requentadas – com a mesma informação e retórica: o contribuinte paga altos impostos, e não recebe a contrapartida que justificaria esse pagamento. Até quando vamos assistir matérias de filas em hospitais, atendimentos médicos negligentes, ensino deficitário, na forma do velho e desgastado discurso denunciativo. De certa forma, estamos nos acostumando a ver e ouvir esses absurdos passivamente, apenas exprimindo comentários vagos como: “esse país não tem jeito”, “isso é uma vergonha”, etc. As reportagens dos grandes órgãos de imprensa não induzem à reflexão, apenas “denunciam”, mostram-se “indignados”, e vendem vultosos anúncios publicitários. Então, vamos às nossas reflexões. Se nos preocupamos tanto com educação e saúde, se ficamos perplexos com as notícias que nos chegam, de total incompetência estatal para suprir essas duas necessidades básicas, isso no estado mais rico da união, com estabilidade administrativa (há treze anos o mesmo partido político – PSDB – governa o estado), por que aceitamos a raivosa grita contra a ilha de Cuba e seu comandante Fidel Castro, desferida no mesmo noticiário. Reiteradamente, todos os problemas e supostas chagas do modelo político adotado por aquela nação são jogados sem escalas em nossos lares. Cuba, invariavelmente, é apontada como a legítima representante do atraso da civilização atual. Vamos aos fatos. Os prédios e automóveis cubanos podem estar “caindo aos pedaços”, porém, não existem pessoas morando debaixo da ponte, e os indicadores sociais aproximam o país do primeiro mundo. Cuba ocupa e 50º. lugar no índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, muito à frente do Brasil. De cada mil crianças cubanas que nascem, 7 morrem antes de completar cinco anos; no Brasil 34 morrem antes dos cinco anos. Em 1997, a UNESCO realizou estudo sobre a avaliação da qualidade de ensino em doze países latino-americanos. Os cubanos, que só estudam em escolas públicas, gratuitas, obtiveram resultados bem superiores aos outros. O Estado Cubano prioriza a medicina preventiva, e é país exportador de diversos medicamentos, e figura entre os que mais produzem produtos contra câncer, inclusive vacinas. Em 1993, o governo dos Estados Unidos autorizou um laboratório de lá a fazer um acordo com Cuba para a fabricação de vacina nos EUA, abrindo uma exceção pela primeira vez na estória do embargo. Esses fatos, nunca foram veiculados pelas grandes empresas de imprensa, que insistem em denegrir a imagem da ilha. Ajudem-me a compreender, qual “atraso” pretendemos para a nossa sociedade? Devemos seguir o pensamento da tendenciosa (para ser educado) revista Veja, com sua capa com a fotografia do presidente cubano e a manchete: “Já vai tarde”? Afora o desrespeito à opção de um povo que alcançou o nível social acima mencionado, que moral temos para acompanhar esse discriminatório raciocínio. Temos o direito de optar por andar com nossos automóveis modernos, construirmos nossos prédios imponentes, pagar por um convênio médico particular (que deveria ser obrigação estatal, segundo nossa Constituição), convivermos com uma juventude semi-analfabeta, e ouvirmos o governador do estado-membro mais rico da nação dizer que planeja fazer uma “operação de emergência” no ensino de matemática das escolas estaduais, dizendo ainda que “não se ensina direito matemática” e seria necessário estudar uma revisão metodológica. Isso depois de treze anos de administração do seu partido em São Paulo. Ora Serra, “Por que não se cala?” Pode-se enganar muita gente, durante um bom tempo; mas não toda a gente, para sempre. Um dia, independente da sua vontade, as pessoas vão refletir sobre a verdade da imprensa, a verdade dos órgãos oficiais, e a verdade dos sobreviventes! Um abraço!

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O debate sobre a CPI do sistema carcerário foi sensacional, muito gratificante mesmo, que satisfação e orgulho de viver em uma democracia.

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Róbson, Carla, Márcia, Camila: É melancolia mesmo, misturada a indignação e cidadania, revanchismo nunca. Mas, graças a Deus tenho vocês e minha família. Obrigado.

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Márcia: Pois só peço a Deus um pouco de malandragem (e paciência)... Um abraço.

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Carlos: Obrigado pelas citações e pelo comentário pertinente e competente. Um abraço.

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Paulo: Não concordo com suas convicções, mas lutarei com todas as forças pelo seu direito de dizê-las, seja bem vindo. Um abraço.

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Luiz Carioca: Muita boa a definição do neo-liberalismo, “foi na veia”. Um abraço.

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Celina: Também custo a acreditar na baixeza do pensamento de alguns seres, mas eles estão aí, e pior: formando opiniões, e nos representando em algumas casas legislativas. Estamos juntos, um abraço.

sábado, 1 de março de 2008

CPI do Sistema Carcerário

"A indiferença é uma prisão a que nos condenamos"
(Bertolt Brecht)


Está em andamento no país uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada pela Câmara dos Deputados Federais, que descreve seu objetivo final no site do Congresso Nacional, como: "... investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro, com destaque para a superlotação dos presídios, custos sociais e econômicos desses estabelecimentos, a permanência de encarcerados que já cumpriram pena, a violência dentro das instituições do sistema carcerário, a corrupção, o crime organizado e suas ramificações nos presídios e buscar soluções para o efetivo cumprimento da Lei de Execuções Penais. A grande imprensa tem noticiado, nas duas últimas semanas, as inúmeras viagens dos deputados para quase todos os estados brasileiros, e as "surpreendentes" constatações. A foto acima foi tirada na Cadeia Feminina da cidade de Bilac/SP, visitada pelos deputados federais Luiza Erundina e Jorge de Faria Maluly, os quais ficaram estarrecidos com as condições de sub-vida das presidiárias. A autoridade judicial local foi interpelada e a interdição daquele estabelecimento foi sugerida. Por sua parte, a deputada federal Cida Diogo (PT/RJ), visitou alguns estabelecimentos prisionais no estado de Minas Gerais, e em uma carceragem feminina da cidade de Belo Horizonte, detectou a superlotação e condições precárias das detentas (cerca de oitenta), que se amontoavam em um espaço onde caberiam apenas trinta. Também constatou as condições insalubres em que convivem os presos da carceragem masculina da cidade de Contagem/MG, os quais disputam espaço com ratos e baratas, desabafando com a seguinte frase: "eu não resisti, senti náuseas, cheguei a lacrimejar ao ver homens tratados como animais." Nos presídios da cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, o deputado Neucimar Fraga averiguou e verificou os problemas de violência e superlotação nas carceragens locais. O mesmo ocorreu em Teresina/PI. Uma comitiva de deputados federais, tendo a frente Raul Jungmann (PPS/PE), viajou emergentemente para a cidade de Ponte Nova/MG, onde teria ocorrido uma briga de facções criminosas, que culminou com a morte de 25 presos. Nesta unidade também há o problema da superlotação e demais mazelas deste sistema punitivo. A CPI em questão foi criada após o fato de uma menina ter sido encarcerada com homens, em uma cadeia do estado do Pará - sendo agredida e abusada reiteradamente - ser largamente discutido nos grandes veículos de comunicação. Porém, todos esses problemas quase inverossímeis, fruto dessa aberração social que é o nosso sistema penitenciário, existem há anos, e são de conhecimento da população. Não compreendo onde está o motivo para surpresa dos nossos representantes, que deveriam ao menos estarem bem informados sobre os problemas brasileiros. Aconselho aos nobres deputados que assistam aos documentários "O prisioneiro da grade de ferro", "Do lado de fora", "Justiça", "Notícias de uma guerra particular"; ou aos filmes "Quase dois irmãos", "Estação carandirú", "Quanto vale ou é por kilo", "Meu nome não é Johnny", "Cidade de Deus"; ou leiam aos livros "Letras de Liberdade", "As prisões da miséria", "Vigiar e Punir", "Direito Formal e Criminalidade"; que folheiem algumas teses acadêmicas que catalogaram e arquivaram o problema social em alguma estante universitária; ou que contatem algumas das ONG's sérias que trabalham com reinserção social de egressos do sistema; que conversem com integrantes das "Pastorais Carcerárias", ou que ouçam "Racionais MC's"; que debatam com quem já passou pelo drama do encarceramento; ou que andem na periferia e conversem com os moradores; que visitem alguma cadeia no seu próprio município. Aqui embaixo, no mundo real, esse problema já está "investigado", o que faltam são ações efetivas e discussão com idéias e projetos sobre o objetivo real dessa cruel segregagação. Sem hipocrisias e discursos prontos. Espero verdadeiramente, que esse enorme dispêndio de dinheiro público com tantas viagens, sirva para alguma coisa, e que o desfecho de tal comissão seja desviar o foco do encarceramento: da mera vingança pública, para a necessidade de proporcionar um objetivo de vida para o penitente. Ou alguém acredita que um preso vai ser recuperado em um sistema punitivo, vingativo e expiatório, sem nenhuma política verdadeira de recuperação e reinserção social, o qual perdura há séculos, com a conivência de todos nós? Para o encarcerado, é mais importante um trabalho que proporcione uma nova chance de vida, com educação, cultura, cidadania e consciência de seus atos, do que o local onde ele será meramente castigado. Um abraço!
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P.s.: Há aproximadamente 15 anos atrás, durante férias que passava em minha cidade natal (Araçatuba/SP), acompanhei os amigos Edna Flor e Edilson Sérgio Borella (na época lutadores incansáveis do Centro de Defesa de Direitos Humanos "Antônio Porfírio") à carceragem do 2o. Distrito Policial daquela comarca. No local, constatamos o incrível estado de degradação em que viviam os presos naquela cadeia. O município de Bilac/SP (onde a foto acima foi tirada), pertence à região de Araçatuba, onde o pai do "pasmado" deputado Jorginho Maluly - que ficou estupefato com as condições das presas - é prefeito e elegeu-se deputado federal por vários mandatos.
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"É preciso julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões."
(Dostoiévski)

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O que é que a Bahia têm?


Após vagar por incontáveis ruas e becos de Campinas/SP, tentando em vão procurar um alento, algo para acreditar, ou simplesmente me distrair com qualquer coisa, resistindo bravamente em não capitular frente a enxurrada de problemas quase incompreensíveis, resolvi parar em um bar no distrito de Barão Geraldo para rever um velho amigo. Havia falado com ele por telefone, e sabia que estava com um problema de hipertensão, tendo até ficado internado por uns dias. No bar, após cumprimentos, brincadeiras e recordações, ouvi o relato de uma das garçonetes, referida carinhosamente por "baiana", uma lutadora simpática, inexplicavelmente sorridente e bem humorada. Eu sabia que ela havia viajado para o seu estado natal no final do ano, e indaguei sobre a experiência de sacolejar por trinta horas em um ônibus, com o intuito de rever familiares e amigos. Surpreendi-me com sua resposta apática e triste, mas compreendi sua resignação quando ela contou o desencadeamento de fatos negativos e inverossímeis que insistem em ocorrer em nosso país, e nos envergonham profundamente. "Baiana" disse que após rever parentes, e matar um pouca a saudade de sua Eunápolis, cidade ao sul da Bahia, com aproximadamente 94.354 habitantes, próximo a badalada Porto Seguro, resolveu procurar por seu melhor amigo na cidade, o qual estava aniversariando e havia reservado um local público freqüentado pelos jovens menos abastados da cidade para fazer uma grande festa. Tudo muito humilde e em esquema de mutirão. Era uma sexta-feira (28/12/2007), e o local estava abarrotado, muita música baiana e bebida alcoólica à vontade. Ao chegar à festa, "baiana" avistou o amigo de longe, mas devido a turba que o cercava no momento, parou para tomar uma cerveja e cumprimentar outros conhecidos. Ainda à distância, acompanhou apreensiva a primeira confusão que se formou, com alguns jovens se desentendendo, e com a intervenção providencial do amigo para dirimir o alvoroço. Minutos depois, por causa de bebida, gostos musicais diferenciados ou qualquer outro motivo fútil, o amigo se viu diretamente envolvido em nova confusão, onde dois rapazes o ameaçavam. O aniversariante não queria tumulto naquela data, e relevou as ofensas, pedindo aos dois contendores, que deixassem aquilo prá lá, que depois resolveriam. Virou as costas e pôs-se a curtir a festa, dando o caso por encerrado. "Baiana" resolveu então atravessar o "oceano" de gente e finalmente cumprimentar o amigo, e quando chegava a poucos metros do mesmo, pôde ver um dos garotos que o havia ameaçado passar uma arma para seu acompanhante, que sem hesitar, atirou contra a sua cabeça. À "queima-roupa", sem anúncio, sem perdão, sem sentido... A vítima foi socorrida imediatamente e encaminhada para o hospital público da cidade. A forma pela qual os amigos do aniversariante julgaram "sentir a justiça" foi através do quase linchamento do dono da arma utilizada no crime, o qual foi alcançado e agredido raivosamente. Inexplicavelmente não morreu, após ataques ferozes de quase todos os presentes à fatídica festa. Segundo a própria "baiana" relatou naturalmente: "o cara ficou com o rosto todo deformado, mas não morreu, você acha?" O atirador conseguiu escapar, enquanto seu comparsa era reiteradamente espancado. Na manhã do outro dia (sábado), os amigos retornaram ao hospital para saber qual era o estado da vítima e ficaram perplexos frente a indiferença e conformismo do atendente, que então os comunicou que aquele hospital (como toda a cidade de Eunápolis/BA) não era provido de UTI, e que a vítima havia sido apenas "estabilizada", sem radiografia ou tomografia do crânio, o qual tinha sido perfurado pelo projétil da arma-de-fogo. Estarrecidos, os amigos telefonaram para a cidade mais próxima (Porto Seguro/BA, com aproximadamente 114.459 habitantes, a 62 km de Eunápolis/BA) e foram informados que a UTI daquele município estava ocupada, e não poderia receber mais ninguém. Tentaram a cidade de Teixeira de Freitas (cidade com 121.156 habitantes, e a aproximadamente 196 km de Eunápolis), onde finalmente conseguiram uma UTI para o amigo. A odisséia continuou quando o hospital de Eunápolis comunicou que a única ambulância do município estava sem combustível, obrigando os amigos a realizarem um rateio entre os parentes e conhecidos, e conseguir o dinheiro para abastecê-la. Porém, uma ambulância para deslocar-se de um município a outro com um paciente, necessita impreterivelmente de um médico, e, para variar, o hospital não contava com nenhum. Com muito esforço, conseguiram convencer um médico que atendia apenas clientes "particulares" a transpor esta barreira pela módica quantia de R$ 600,00; dinheiro conseguido com novo rateio e muita persuasão. Quando preparavam-se para levar o amigo para o município de Teixeira de Freitas/BA, foram comunicados de um grave acidente em uma estrada da região, e devido ao número de vítimas, o referido acidente deveria ter prioridade no atendimento. Nova espera, e apenas no domingo, o amigo conseguiu ser removido para a única UTI disponível na região. O tratamento médico em Teixeira de Freitas/BA foi satisfatório, a vítima permaneceu em coma, e apesar dos procedimentos corretos, não resistiu e morreu horas depois. O médico que o atendeu até constatar sua morte cerebral, disse aos amigos que o acompanharam até àquela cidade, a perturbadora frase:
- "Esse rapaz queria viver, e lutou muito contra a morte". Quando a enlutada turma de amigos retornou à Eunápolis/BA, foram recepcionados pelos companheiros que haviam ficado, os quais contaram que o atirador havia fugido para a cidade de Vitória da Conquista/BA, e foi visto tomando o ônibus para aquele município. As autoridades policiais de Eunápolis/BA, informadas da fuga do matador, telefonaram para a delegacia da cidade de Vitória da Conquista/BA, porém, o delegado local afirmou que não poderia deter ninguém, pois não havia efetivo policial suficiente naquela período de festas de final de ano, alegando ainda que precisava de papéis em mãos que comprovassem o delito, permanecendo o crime impune. O estado da Bahia, cuja capital Salvador é uma das mais reverenciadas do país, foi governado durante décadas pela família Magalhães (exemplo clássico de coronelismo), e o recém falecido Antônio Carlos Magalhães, conhecido e venerado no estado como "painho", elegia com facilidade qualquer político, para qualquer cargo, naquelas paragens, tendo perpetuado sua influência com filhos e netos em cargos eletivos. Nenhuma sociedade fica impune ou escapa ilesa de suas más escolhas, motivadas pela falta de informação e ignorância; e Paulo Junior, o amigo de 21 anos da garçonete, lutou até o último fio de sua vida contra desmandos, ingerências, abusos de poder, usurpações, apropriações, roubalheiras e saques ao bem público, que levam qualquer civilização à estagnação, brutalização e apatia; com chances escassas de vencer esse mal que corrói as entranhas de nossa nação.
Um abraço!
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Álvaro: Vi o carnaval em sua cidade pela TV, grande festa. Entendo perfeitamente o que você disse. O lado positivo da folia é que conservaram as marchinhas (exclusivas durante os cinco dias). Linda a sua cidade. Um abraço!
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Carlos, Camila, Carla, Mara, Róbson: Providencialmente, as palavras de incentivo e carinho chegam nos momentos mais delicados da nossa existência. Dá até para acreditar na vida quando isso acontece, obrigado!
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Célia: Existem sim, são as "casas de custódia". A teoria diz o seguinte: "é uma casa de saúde a qual são levados os condenados por pena de reclusão que não possuem capacidade plena de entender o fato criminoso que cometeram e pelo qual foram condenados, ou aqueles que cometeram o crime em estado de embriaguez e foram declarados ébrios habituais. Nessa casa, o criminoso é submetido ao tratamento clínico necessário." Bela teoria, porém, na prática ocorrem as mesmas mazelas da vingança institucional de outros estabelecimentos prisionais, sem objetivo de recuperação, apenas com o intuito de castigar e expiar o corpo e a mente do encarcerado. Um exemplo clássico em São Paulo é a casa de custódia de Taubaté, o "Piranhão", onde estão detidos o "Maníaco do parque", "Pedrinho Matador", "Chico Picadinho", entre outros. Algumas dessas instituições são melhores do que retratado no filme, mas a maioria é pior ou igual. É a cadeia tradicional com aspecto e práticas dos antigos manicômios. Acrescento uma curiosidade, foi nessa Casa de Custódia de Taubaté, na década de noventa, que foi criado (com estatuto e tudo) o tão noticiado Primeiro Comando da Capital (P.C.C.). Um abraço!
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Fábio Shiraga: Concordo plenamente com sua colocação, fazemos política o tempo todo, mas quem se julga "apolítico", seja por revolta como você disse, comete o erro total: revolta-se contra o status quo, e age com omissão ajudando a perpetuá-lo. Um grande abraço, amigo!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Política, prá quê?


Lembro-me de meu pai pedir para que ficássemos em silêncio durante o telejornal das 20:00h, quando conversávamos diante do televisor. Como micro-comerciante e cidadão, acompanhava com grande interesse ao noticiário político/econômico. Em 1.986, durante o governo do presidente Sarney – primeiro presidente civil após mais de duas décadas de ditadura militar – eu estudava no Colégio Salesiano de minha cidade natal e assisti pela TV da cantina ao pronunciamento do ministro de Estado, informando sobre a decretação do Plano Cruzado. A notícia repercutiu como uma declaração de guerra, tamanho impacto que causou à população. Quando cheguei em casa, meu pai permanecia "plantado" defronte à TV, até o último telejornal, já no início da madrugada. Na ocasião, congelaram-se os preços e salários; aumentaram os impostos; tabelaram os juros; a inflação chegou a zero e o consumo explodiu. Apesar das dificuldades de um arrimo de família pobre do interior, meu pai assinou "às duras penas" por mais de vinte anos um grande jornal da capital paulista, com o nobre intuito de manter seu lar bem informado. Avalizou, torceu, acompanhou e sofreu com os malogrados Plano Cruzado 2 (1986); Plano Bresser (1987); Plano Verão (1989); Planos Collor 1 e 2 (1990/1991); e o derradeiro que o combaliu, Plano Real (1994). À época, meu pai já era comerciante havia vinte e oito anos, e tinha se acostumado a sobreviver com a inflação e outras mazelas econômicas. Juntamente com uma legião de outros pequenos comerciantes, não teve nenhum apoio ou esclarecimento de como adaptar-se à súbita "estabilidade", e nunca mais recuperou a saúde do seu negócio. Após apelar para tudo (todas as leoninas armadilhas do sistema financeiro), e dedicar-se exaustivamente ao trabalho em seu comércio por mais quatro anos, resignou-se. Agarrou-se a uma desmedida crença religiosa, e desistiu de acreditar em "coisas de política". Mesmo presenciando a brava luta de meu pai contra as inabilidades e experimentações políticas, e compreendendo seu profundo desgosto com a classe, sinto saudades de sua dedicação e perseverança, quando não havia optado em apenas orar por esse país. Contudo, tenho grande temor quando vejo a maioria da população jovem do Brasil, ignorando e negligenciando a política, individualizando egoisticamente sua conduta, alienando-se em entretenimentos vazios, assistindo a tudo sem postura crítica, acostumando-se a escândalos e malversação do bem público, com lamentável apatia. Realmente não compreendo quando pessoas descrevem seu perfil no site de relacionamentos Orkut, no item que questiona sua participação política, assinalando a opção "apolítico" (como se isso fosse possível), orgulhando-se e procurando eximir-se de qualquer culpa pelo mal andamento de nosso país. Admito que é muito difícil não desanimar e capitular frente a tantas más notícias, discursos demagógicos, práticas escusas. Nunca os políticos se pareceram tanto, e é raro destacar matizes que fujam do cinza dos nossos representantes em todas as instâncias. Mas, existem duas maneiras de mesmo peso para cometer uma falta grave: a ação e a omissão; e omitir-se é o mesmo que avalizar incondicionalmente esse estado de coisas. É imprescindível aliar as duas armas mais importantes – talvez as únicas – a que um cidadão pleno pode lançar mão nos dias atuais: conhecimento e participação política direta. Informação é combustível poderoso que faz mover as engrenagens da sua vida, por esse motivo ela é tão negligenciada. Fazer política não é meramente participar daquele concurso esporádico, e escolher candidato através do "show de horrores" do oneroso horário político. Em tempos de sobrevivência, não pretendo recriminar ninguém, e sei o quanto é cruel essa luta cotidiana para a maioria da população. Aceite o pão, aceite o circo, mas não se esqueça de exigir o livro, que certamente abrirá seus olhos e o tornará crítico, cético, exigente e com chances de melhorar sua árdua existência. Esse lamaçal tem que acabar, só depende de você!
O ateniense Péricles discursou com orgulho aos seus concidadãos, após a guerra do Peloponeso: "Nós somos o único povo a pensar que um homem alheio à vida política, não deve ser considerado como um cidadão tranqüilo, mas como um cidadão inútil".
Um abraço!
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P.s.:
Que tristeza me causou, constrangimento,
Vergonha, vexame, catatonia...
Nós que acompanhamos desde o surgimento,
Lutas, tomada do poder, ascensão e agonia.
Dessa confusa corte, outrora combatente
Onde figurava companheira tão humilde,
Ver seu nome execrado publicamente,
Indefensável, por ávidas "bocas de Matilde".

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Carnaval, Cinzas e Ressureição!

Segundo historiadores, o "Carnaval" é uma festa regida pelo ano lunar, tem suas origens na antiguidade, começava no "Dia de Reis", e acabava na "Quarta-Feira de Cinzas", às vésperas da "Quaresma". O período era marcado pelo "adeus à carne" ou "carne nada", dando origem ao termo carnaval. Por sua vez, o "Dia de Reis", segundo a tradição cristã, seria aquele em que Jesus Cristo (recém nascido), recebera a visita de uns reis magos, e que ocorrera no dia 6 de janeiro. Os festejos realizados nesse dia ficaram conhecidos como "Folia de Reis". Por sua parte, a "Quarta-Feira de Cinzas", é o primeiro dia da "Quaresma", no calendário cristão ocidental. As cinzas que os católicos recebem neste dia é um símbolo para a reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passagem transitória, e efêmera fragilidade da vida humana. A "Quaresma" é o tempo litúrgico de conversão que a tradição cristã marca para preparar os crentes para a grande festa da "Páscoa". Durante esse período, os fiéis são convidados para um tempo de penitência e meditação. Finalmente, a "Páscoa" - termo hebraico que significa "passagem" - é um evento cristão que celebra a ressurreição de Jesus Cristo (vitória sobre a morte), depois de sua crucificação.
Independente da origem das festas e datas religiosas; da crença ou não em Deus; da escolha para qual facção religiosa o "temente" doará seu dízimo; o que importa é que a convenção cultural existe, mesmo que totalmente descaracterizada. O sentido dos eventos co-relacionados foram deturpados para a maioria da população, e a grande festa do carnaval brasileiro, reconhecido mundialmente, transformou-se numa sórdida "folia de reis" às avessas: rei do jogo-do-bicho, rei do tráfico de drogas, rei da demagogia com dinheiro público, rainha da bateria fazendo curso para aprender a sambar, reis de vendas de abadás para acompanhar trios-elétricos... No país inteiro, prefeituras preocupadas com o ano eleitoral, subsidiam o carnaval com repasses de verbas para a realização do evento sem prestar contas a ninguém. Se tomarmos o exemplo do maior carnaval do país, o da cidade do Rio de Janeiro, constataremos o equívoco oportunista. As grandes escolas de samba daquela cidade, sempre foram patrocinadas pela contravenção do jogo-do-bicho; pelo dinheiro do tráfico de drogas; pela venda de enredos, espaços e fantasias para pessoas de fora de suas comunidades e pela liberação de verba pública pelo município e pelo estado. Este ano, a imprensa noticiou que - para a realizaçao da festa - a prefeitura do Rio de Janeiro liberou R$ 9.000.000,00 (nove milhões); o governo do estado do Rio de Janeiro R$ 4.000.000,00 (quatro milhões) e a estatal Petrobrás R$ 6.000.000,00 (seis milhões), sendo que todo esse dinheiro será gerenciado e distribuído pela LIESA (Liga Independente das escolas de samba), historicamente dirigida pelos "patronos" das escolas de samba (banqueiros do jogo-do-bicho, e mais recentemente, traficantes de drogas), cujo último presidente (bicheiro) foi preso pela Polícia Federal no ano passado. Inocências e hipocrisias à parte, esses criminosos se estabeleceram justamente onde o Estado é ausente e onde a população carente é totalmente desassistida. Impulseram seu império de contravenção e tráfico de drogas pela força e pelo terror; bancados pela corrupção e omissão dos órgãos públicos; patrocinados inicialmente pelo folclore do bandido provedor e assistente dos pobres, e agora exclusivamente pela coação e desespero dos moradores cada vez mais abandonados à sorte. E, por sobre esse cinza das áreas pobres e sem assistência básica (previsto na Constituição Federal como obrigação estatal), juntam-se os delinquentes que oprimem e corrompem o marginalizado, com os chefes-dos-executivos omissos e demagogos, nessa festa colorida e deturpada. Resta-nos observarmos o sentido da quarta-feira (simbolicamente recebermos as cinzas para a reflexão e mudança de vida), e não aceitarmos passivamente essa "estranha e velada associação" entre partes que deveriam combater-se e repelirem-se, para o bem público. Nada contra a festa, desde que a folia seja em forma de catarse de pessoas que pretendem expurgar alegremente as agruras do ano todo. De forma saudável, não subsidiada, diversa dessa estabelecida "para gringo ver", alimentando o turismo sexual e denegrindo a imagem do país no exterior, como terra do "samba do crioulo doido".
"Se você mentalizasse na folia, sabe lá se não seria a solução prá de manhã pensar melhor..." (Osvaldo Montenegro). Um abraço!
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Mara: Faço uma analogia sobre o meu aprendizado referente à sociedade, e a forma de como o Nelson Rodrigues dizia ter aprendido sobre sexualidade: "aprendi pelo buraco da fechadura".
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Róbson: obrigado pela orientação
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Carlos: obrigado pelas dicas e pela preocupação, é pancada de todos os lados amigo!
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Camila: sua amiga leu o post?
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Larissa: fico lisonjeado com as suas palavras, obrigado.
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Célia: bom poder contar com você e com suas observações pertinentes, obrigado.
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Carla: emocionantes e esclarecedoras suas palavras. Fiquei realmente emocionado, obrigado.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Família Brasileira (crônica de uma semana comum)

Às vezes, a realidade parece ficção nessa atribulada vida cotidiana de sobrevivência arrancada à fórceps. Por mais que me esforce, tenho enorme dificuldade em entender as relações humanas, em assimilar sem pré-julgar as escolhas pessoais, em compreender o grau de importância que as coisas representam para cada indivíduo, e a aceitar o poder de indignação ou omissão dos membros de nossa sociedade. Acompanhem a trajetória trivial e corriqueira deste brasileiro, durante a semana que passou, nesse fragmento de uma estória particular.
A semana começa com o êxito de um filho que, após ser abandonado pela mãe, e entregue a uma família de estranhos há aproximadamente vinte anos, consegue localizar a sua genitora, através de uma busca digna de uma odisséia, com desmedida felicidade. A mãe (genitora) "errou de João" como na música do Chico Buarque, e amasiou-se com um canalha de vida desregrada, e após gerar três filhos, passou a morar na rua, comer sobras de lixo, viver de doações e apanhar diariamente. Julgando não ter como sustentar as três crianças, a genitora optou por "doar" os filhos para famílias abastadas, com dificuldades para ter filhos legítimos. Justamente nesse momento, essa mulher (bonita e atraente, apesar dos maus-tratos da vida) conheceu um homem bom e digno, imigrante nordestino, trabalhador e altruísta. Porém, a condição não permitia - segundo suas avaliações - "criar" todas as crianças, e dois meninos foram adotados por famílias desconhecidas, e uma menina foi criada pelo casal, que posteriormente, quando a vida melhorou um pouco, teve mais três filhas. A família viveu em um lar regular, feliz e rígido por aproximadamente dezoito anos: o pai, a mãe e as quatro filhas; com uma vaga, dolorosa e silenciosa lembrança dos dois meninos lançados ao mundo. A mãe, após esses dezoito anos de vida confortável e estável, conforme o padrão do trabalhador brasileiro, foi acometida por um súbito fanatismo religioso, e praticamente internou-se em uma igreja evangélica, e um belo dia deixou um bilhete com pedido de perdão e fugiu - apenas com a roupa do corpo e alguns trocados - com um desocupado, metido a pregador, feio e sem instrução. Reeditou todo o sofrimento do primeiro casamento, passando fome, vivendo de esmolas e submetendo-se a agressões diárias. Quando finalmente livrou-se do covarde companheiro, e arrumou um barraco em uma favela para instalar-se precariamente, foi encontrada por um dos filhos abandonados, que nada questionou, apenas a beijou, a levou para passear, e disse: "agora tenho a quem presentear no Natal!"
Durante a semana, também participei de uma dessas audiências criminais, a que me referi no último post. Como fiz a opção por "trabalhar" e não por me omitir quando exercia plenamente minha função policial, essas audiências persistem até hoje, mesmo estando afastado há algum tempo, me dedicando a projetos muito mais gratificantes e satisfatórios. Pela primeira vez em minha carreira, não me recordava do fato, e apenas aguardei minha vez de dar meu depoimento. Os dois acusados chegaram à vara criminal algemados, usando uniformes do sistema carcerário e escoltados por dois policiais militares e um agente penitenciário. Um deles levantou a cabeça, me olhou com muito ódio e cutucou o colega. A diferença é que o olhar não encontrou reflexo, o sentimento negativo não encontrou reciprocidade de minha parte, como aconteceria antigamente. Meu ex-parceiro, ainda na "febre" do exercício da função, resmungou: "...folgado esse moleque, hein! você lembra do caso". O juíz de direito leu rapidamente os nomes dos acusados, e me perguntou o de praxe: "na data tal, no endereço tal, os indivíduos foram presos por roubo, etc... O que o sr. lembra disso?" Respondi tranquilamente que, infelizmente, não me recordava de nada. Ele então folheou automaticamente as folhas do processo judicial, localizou meu relatório, e disse: "O sr. ratifica esse relatório?" Olhei brevemente as folhas do relatório que fiz há quatro anos atrás, e respondi que sim, assinei meu depoimento, e fui embora. Na lembrança, o olhar de raiva e rancor do acusado, cuja fisionomia eu recordava, mas que o esclarecimento sobre certas coisas, me fez esquecer do ocorrido. Poucas horas depois, uma amiga relata que está atarefada com o nascimento de sete filhotes de seus cães de raça "São Bernardo", de linhagem pura e autêntico pedigree. Diz que vai doar apenas um para uma amiga querida, e vender o restante da ninhada, cujo preço de cada filhote corresponde a R$ 1.800,00 reais. Diante do meu espanto, ela esclarece que todos os dias atende a um bom número de interessados, e que provavelmente venderá os filhotes em uma semana. Explica que quem adquirir o referido cachorro, terá que arcar com o custo do documento que comprova o pedigree, com as vacinas obrigatórias, com as visitas periódicas ao veterinário e com outros mimos caninos. Surpreendo-me e até reajo com rispidez, quando ela revela que a amiga querida a quem ela doará o filhote será a minha esposa, mas depois de minha reação espontâneo e veemente, procuro ponderar. Ouço uma gama de explicações, desde a importância do animal para o crescimento do meu filho; até o fato da oportunidade de obter um cachorro tão caro, sem nenhum custo. Jamais vou compreender e conseguir relacionar estes fatos de forma serena, e não tenho a pretensão de assimilar com tranquilidade as relações humanas.
Pouco antes de escrever essas palavras , recordei-me do menino que me olhou com ódio no tribunal; de como ocorreu a prisão; de como ele estava drogado no dia do roubo; de como ele delatou seu parceiro; de como as manchas de micose adquiridas na cadeia já tinham se espalhado pelo seu corpo; de como ele não deveria estar recebendo atendimento médico no cárcere; de como sua família deveria estar desestruturada; de como a gente julgava estar fazendo justiça... Ouço de longe, minha mulher feliz em conhecer seu "meio-irmão" após vinte anos, com o filhote de "São Bernardo" latindo pela sala, e meu filho Heitor tentando segurá-lo. Um abraço!
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Patrícia Oliveira: Também relembrei nossa estória, e compartilhei dessa emoção. A luta continua, um grande beijo!
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Camila, Carla, Cláudia, Bezão, Mara, Célia: Muito obrigado pelas palavras! Um abraço!
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Márcia: Adorei a sua idéia, sempre tive vontade de falar para alunos da escola pública. Também tenho um projeto para palestras. Se puder me orientar sobre esse projeto para as Delegacias de Ensino, ficarei muito agradecido. Um abraço!
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Nina Flora: Se destacaria sim. É um outro ponto de vista, e o roteiro é muito bom. É sempre gratificante ver filmes de qualidade surgindo no cenário nacional, e nos levando à reflexão. Um abraço!

sábado, 12 de janeiro de 2008

Meu nome não é Johnny!

Nessa semana que passou, assisti ao filme "Meu nome não é Johnny", com atuações respeitáveis dos atores Selton Mello, Cléo Pires e Júlia Lemmertz, baseado no livro de mesmo nome, o qual narra a estória de vida do próprio autor João Guilherme Estrella; jovem da classe média carioca, usúrio de drogas, que chegou a ser um dos mais conhecidos traficantes da cidade do Rio de Janeiro. O filme é emocionante, e como qualquer obra de arte, é sentido de forma diversa, e leva cada um a refleti-lo conforme seu patrimônio cultural e atual estado de espírito. Compartilho agora minhas impressões e algumas feridas ainda não cicatrizadas, a que esse bom filme me remeteu.
A estória ajuda a refletir sobre família, amizades, escolhas individuais, e, principalmente, a desmistificar a onda causada por "Tropa de Elite", de que todo tráfico de drogas acontece apenas nos morros cariocas, com moleques pobres, quase sempre afro-descendentes, sem camisas, portando armas automáticas. O personagem principal vivia numa eterna "balada", acompanhado de jovens brancos, com o esteriótipo de classe mais abastada, com festas diárias regadas à drogas lícitas e ilícitas, numa quase interminável viagem hedonista, não se atentando para à escalada que o levou de usuário a comerciante de entorpecentes, com o intuito inicial de sustentar seu vício e opção de vida. O filme dá uma virada à partir da inevitável prisão do personagem principal, sob a acusação de tráfico internacional de drogas, e sua inclusão no sistema penitenciário. Daí em diante, mergulha-se numa enorme depressão, num choque de realidade que é essa estupidez da mera segregação sem objetivo digno. Os mesmos vícios, tragédias, facções criminosas, degradação do ser humano são apresentadas. Não obstante as particularidades regionais, ou os nomes que se dê para essa aberração social: cadeia é cadeia em qualquer lugar. O filme aprofunda-se ainda no mundo dos manicômios judiciais, denominados "casas de custódia"; depósitos de indivíduos que necessitam de tratamento, e ao invés disso; são monitorados com doses elevadas de remédios e abandono. Como se a idéia fosse recuperar e não apenas castigar. No próprio estado de São Paulo existe um rol de siglas (C.D.P.; C.P.P.; C.R.), que anuviam a visão dos incautos e despolitizados contribuintes, os quais são ludibriados pela teoria da suposta ressocialização. No filme, aborda-se também o julgamento do personagem principal com a velha frieza da rotina das decisões em série, como se todos os casos fossem iguais, e se todos os que delinquiram tivessem uma pré-disposição congênita para tal. O cenário aproxima-se bastante da realidade: um promotor justiceiro, uma intocável juíza semi-deusa, um advogado atento para as habituais brechas judiciais e um emaranhado de papéis timbrados. O diferencial do julgamento tratado na estória, é que a juíza de direito sensibilizou-se com a sinceridade do personagem principal, e seu depoimento despojado e contundente, o condenando à pena mínima e o encaminhando para tratamento. Mas, a realidade é muito diferente disso. Iniciando pela pouca chance que os réus têm de se pronunciarem nas audiências criminais. Participei de incontáveis como policial e de uma como réu, e - como relato em meu livro - o juíz que me julgará nunca ouviu meu relato. As referidas audiências são rápidas, automáticas e impessoais. Quase sempre com o esteriótipo do jovem favelado, ou morador em "áreas de risco", acuado, pronunciando-se num misto de gírias e tentativas de parecer instruído; com testemunhas amedrontadas, sendo interrompidas pelo juíz em seus testemunhos, o qual exige objetividade (ou depoimentos em linha de produção); e decisões análogas. Naquele ambiente, nem julgador e nem julgado têm a menor noção do que se passa na vida do outro, no seu meio, na sua vida, no que seria efetivamente necessário para sua inserção social, no que está errado nesse país. Afirmo com convicção, que se o personagem Johnny fosse negro, magrelo, favelado, falasse um português sofrível, olhasse para o chão durante o julgamento, usasse chinelos "havaianas", e expressasse no olhar toda revolta e raiva das pessoas que estivessem naquele tribunal, seria condenado à pena máxima. Porém, para mim o que foi sentido mais profundamente no filme, foi quando o personagem principal saiu provisoriamente da prisão ("indulto"), para passar o Natal com sua mãe, e após rever familiares, amigos e ex-companheira, passou horas (até o amanhecer), sentado na areia da praia, fitando o mar, enquanto seus amigos dormiam dentro do carro, o esperando. Esse sentimento é particular, e como disse no início desse texto, sentido individualmente por cada espectador, e para mim foi devastador lembrar de como se passou minha saída de um destes estabelecimentos prisionais. Tudo perde o sentido, o mundo exterior é algo que não te pertence, que você não compreende de imediato. Perde-se a noção de tempo e espaço. A sua hierarquia de valores e coisas importantes, modifica-se. E a superficialidade de nossa sociedade atual aflora-se em cada novo contato social. Têm-se a impressão que tudo está viciado, que a realidade é ficção. Sua máscara social diária, que adotamos conforme a conveniência e o compromisso, não tem mais sentido. A crueza de nossa existência é mais importante. Na mesma noite de minha saída, minha família perguntou que comida eu gostaria de provar, e paramos em uma pizzaria, para eu degustar algo com "gosto de rua", porém, a iguaria não descia pela garganta. Recordava-me apenas dos ex-companheiros de cárcere que haviam ficado para trás. Só quem já esteve dos dois lados do problema (incluindo e sendo incluído), pode dizer com propriedade que a discussão sobre esse sistema punitivo e discriminatório faz-se urgente. Retornando ao filme, no final aparece na tela uma mensagem de uma juíza de direito dizendo agora acreditar na recuperação de quem supostamente delinquiu, reiterando a confusão de opiniões sobre esse equívoco chamado sistema carcerário. Que bom seria se todos pudessem afirmar enfaticamente em um tribunal: "meu nome não é Johnny, não é réu, não é reeducando, não é alcunha, não é aliases, não é um número, não é estatística...", e contar sua estória de vida. Um abraço!
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Camila: Aquele abraço afetuoso de sempre!
Márcia, Denilson, Carlos: Muito obrigado pelas palavras.
Cleiton: Difícil expressar indignação em forma de poema, e com talento. Parabéns!
Célia: Muito obrigado, Chico César cantou: "não aponte o dedo para Benazir Bhutto, seu puto, ela está de luto, pela morte do pai. Não aponte o dedo para Benazir! (aguarde)
Bezão: Um dos maiores desafios do candidato Barack Obama é provar para os próprios negros politizados dos E.U.A., que apesar da cor de sua pele, não é tão conservador e reacionário quanto seus colegas de partido Democrata, e que pode ser um líder como Malcon X, Martin Luther King, ou mais recentemente, Jesse Jackson, que tinham alguma proposta efetiva para lutar contra a discriminação em um dos países mais racistas e intolerantes do mundo. Gilberto Gil cantou: "Bob Marley morreu, porque além de negro era judeu. Michael Jackson ainda resiste, porque além de branco, ficou triste." É preciso ter atitude irmão, um abraço!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Ano novo, velhas hipocrisias!

Com a chegada de um novo ano, renovam-se as esperanças, e ficamos ávidos por novidades boas, que possam melhorar nossas vidas. Porém, se o veículo de comunicação e formação de nossas opiniões continuar sendo a imprensa e "meia dúzia" de "mantenedores do status quo", estamos perdidos! É lamentável e desestimulante acompanhar o noticiário dos primeiros dias do ano, e aos comentários dos especialistas de plantão. Destaco cinco notícias que foram exaustivamente discutidas, como o que de mais importante estaria acontecendo no momento, e suas requentadas análises: a sucessão presidencial americana; diversos casos de "balas perdidas" pelo Brasil; pop star americana sendo internada à força e perdendo o direito de ver os filhos; início do mais popular reality show da televisão brasileira e; finalmente, manifestações quase uníssonas contra a saída provisória dos presos no Natal e Ano Novo. Algumas considerações:
I - Um historiador diz em um telejornal que a vitória de Barack Obama na prévia do partido Democrata representa uma virada de página na história política americana. Só se for virar a página para o próximo capítulo da mesma estória! A diferença entre Republicanos e Democratas no cenário político americano significa exatamente alguns conservadorismos a mais por parte dos primeiros, não fazendo dos segundos radicais de esquerda que pretendem mudar a história de injustiça mundial. Surpreender-se por um negro americano sair na frente da prévia de seu partido para disputar pela primeira vez uma eleição presidencial, é no mínimo ingenuidade. Em justa medida, no sentido pejorativo mesmo, Barack Obama é tão branco quanto Hilary Clinton. Independente de quem ganhe as eleições americanas, a mais bélica das nações continuará a ser intervencionista, imperialista e a desrespeitar as soberanias dos demais países.
II - Reportar os casos de violência extrema como "balas perdidas" parece que basta para os jornais e televisões, como que classificando-se crimes diferentes, cometidos em situações diferentes, e em pontos diferentes do país, como uma linha de produção de fatalidades, amenizasse o problema. Nenhuma projeção, análise, estudo de causa foram considerados em relação aos fatos isoladamente. Dá-se a impressão que temos que aceitar a violência corriqueiramente, como parte de nossas vidas, sem dissecarmos nossa parcela de culpa e falta de iniciativa para revertermos o quadro. Basta esperar o rótulo: "bala perdida"; "chacina"; "assalto", e elegermos um culpado: "polícia"; "governo"; "bandidos"; "menores infratores". A má distribuição de renda; a educação negligenciada; a sociedade cegamente consumista; a avareza; a usura; a ausência de solidariedade, passam a ser detalhes. O que foi feito de efetivo no ano que passou para mudar a desigualdade social, principal causa da violência. A "bala que se perdeu" em Belo Horizonte; Porto Alegre; litoral paulista; etc., não se perdeu de forma padronizada, mas, certamente, direcionada por um dos motivos acima elencados, e pelos órgãos de imprensa ignorados.
III - A "pop star" americana Britney Spears, que iniciou sua carreira como diva angelical da cena musical internacional rendeu cifras vultosas para os profissionais do show bussiness, para a imprensa fútil que acompanha a vida de "celebridades", para a indústria do falso glamour, em sua fase recatada. Quandom rebelou-se, agregando um pouco mais de atitude em sua personalidade, até beijando a cantora Madonna em público, faturou ainda mais aos cofres dos sanguessugas acima relacionados; e agora, no seu melancólico declínio como dependente química, viciada, desorientada e abandonada, continua a proporcionar gordas remunerações com a cobertura de seus escândalos. É patético e revoltante ver uma moça que necessita de tratamento, independente das baboseiras que cante ou de suas infelizes escolhas, ser exposta, execrada e pré-julgada pela mídia de banalidades. Como um produto descartável, que será sugado até sua extinção, sem causar a indignação dos inertes expectadores.
IV - O "espetáculo da vida real", que confina alguns jovens bem apessoados, numa competição para averiguar quem pode ser mais evasivo, fútil, hipócrita e dissimulado; de realidade não tem nada. A começar pela seleção dos candidatos. Os que se atrevem a expor-se, mostrando a face pobre, inculta, feia e equivocada do Brasil verdadeiro, bem como o nível de educação e cultura em que nos encontramos, são ridicularizados nos programas "Fantástico" e "Vídeo-Show" da Rede Globo, como aloprados que foram desclassificados e reconduzidos ao show de horrores que é suas próprias vidas. Os selecionados para a "real" competição, parecem recém-saídos de mini-séries americanas, com corpos modelados e caráter deformado, compondo uma nova leva de canastrões que serão aproveitados na sofrível programação da televisão, em revistas masculinas e eventos alienantes. A dúvida que persiste é onde o cidadão médio da população se vê naquele simulacro de vida real.
V - O estado de São Paulo - unidade federativa que mais prende, condena e encarcera do país - possui atualmente uma legião de aproximadamente 144.000 penitentes nos seus calabouços. Nos últimos seis anos (segundo fonte da agência Estado), a população carcerária do estado quase que dobrou, o que equivale a quase 800 presos por mês, ou a 1 detento por hora. Prá quê? Na teoria, um infrator deve ser julgado, e se condenado, cumprir sua condenação em regime de progressão de sua pena, ou seja, conforme vai sendo reeducado pelo estado, vai resgatando sua cidadania, passando do regime fechado, para o semi-aberto, e, consequentemente para o aberto. Na prática, nada disso pode ser levado em consideração. O condenado passa por um período de expiação do seu corpo e de sua mente, perde a noção de civilidade, passando a sobreviver em um micro-cosmo totalmente diverso de nossa sociedade regular, e sente a "vingança pública" travestida de ressocialização diariamente. Quando o estado decreta que o preso que tenha cumprido um 1/6 de sua pena, encontra-se no regime semi-aberto, e com bom comportamento - em tese tendo progredido - poderá sair provisioriamente da prisão e passar algumas datas importantes com seus familiares; a opinião pública entra em polvorosa. Para variar, apenas reportando casos isolados, sem discussão aprofundada. Ressalte-se, que essa saída ainda depende da análise dos órgãos públicos (prerrogativa da justiça), a qual deverá saber quem está preparado ou não para a reinserção social gradativa. Pois bem, vamos decidir corajosamente nossa posição: somos vingadores ou acreditamos na recuperação de quem supostamente delinquiu? Vamos optar por um lado e deixar cair o pano; e, é claro, assumirmos toda a responsabilidade pela involução de nossa existência!
Obs.: Neste último Natal, 17.968 presos com direito à saída provisória receberam esse benefício, sendo que 1.143 não voltaram para as prisões (144 unidades) do estado de São Paulo, o que equivale a 6,36% dos detentos, o mais baixo índice desde 2.002. (fonte Jovem Pan/UOL).
De fato, o ano se inicia com a impressão de que o ano anterior não acabou, e a luta pela sobrevivência vai sendo travada, sem sentirmos as "verdades" que - segundo a grande imprensa - mudarão as nossas vidas. "Feliz Ano Novo", ou melhor, "Feliz Ânimo Novo". Não esmorreçam, um abraço!