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terça-feira, 29 de abril de 2008

Sinestesia

Poucas pessoas, no começo do século XIX, precisavam de um publicitário para lhes dizer o que elas queriam (John Kenneth Galbraith). Ao longo do tempo, isso mudou gradativamente, até chegarmos aos nossos dias de total subserviência à sociedade da "representação" e impessoalidade. O "mundo virtual", criado para diminuir distâncias, quando manipulado habilmente, impõe hiatos intransponíveis às relações humanas. Empresas prestadoras de serviços, com o sofismável argumento de querer facilitar o contato do cliente com quem lhe oferece o produto, criaram os maquiavélicos "call centers", onde o contato ocorre apenas através das ondas invisíveis da comunicação à distância, redundando no inacreditável desprezo dessas empresas para com seus clientes. Tente uma comunicação com as empresas de telefonia, por exemplo. Institucionalizamos o estelionato. Nossos representantes nas casas legislativas se blindam de tal maneira, que um contato pessoal "à moda antiga" parece uma ofensa. Mas, seus "sites" e endereços eletrônicos – elaborados e pensados por "marketeiros políticos" – parecem convidativos, com perfis combatentes, e fotografias estratégicas, porém, ao tentar um contato, o máximo que o eleitor e principal interessado conseguirá, será receber periodicamente informativos inúteis de participações políticas questionáveis, chavões e "lugares comuns". As relações pessoais tornaram-se tão superficiais, que têm-se que tomar muito cuidado com o que se diz ou escreve para não comprometer-se de alguma maneira, ou "passar uma imagem negativa". Não importa que você seja um imbecil, um hipócrita, ou que sua inteligência seja extremamente "tímida", basta que você seja bem assessorado e estude o que vai dizer antes de comunicar-se. Os discursos frenéticos e apaixonados dos transparentes alunos dos cursos de história e sociologia nos "bares da vida" de outrora, deram espaços para orgulhosos, promissores e desconfiados jovens ostentando camisetas bonitas de cursos da moda como "midialogia", "publicidade e mercado", ou do intrigante "marketing político". O mundo invisível e virtual vai tomando vulto, e aos poucos vamos nos acostumando a obedecer, nos movermos e agregarmos esse modo de vida à nossa existência, onde tudo precisa ser interpretado, onde nossos sentidos não mais percebem primariamente, com alguma reflexão. No livro do escritor americano John Steinbeck, "As vinhas da ira", lavradores que desbravaram as áridas terras do estado de Oklahoma como arrendatários, e devido às más colheitas que conseguiam em solo tão pobre, foram contraindo empréstimos que tornaram-se impossíveis de serem saldados, indignavam-se com a perda da posse de suas propriedades para tal instituição financeira, e em um dos diálogos, um dos lavradores conscientiza-se que não sabe nem sequer com quem reclamar:
- Mas essa é nossa terra, nós a cultivamos, fizemos ela produzir. Nascemos aqui e queremos morrer aqui.
- É pena, sentimos muito, a culpa é dos bancos.
- Mas os bancos são dirigidos por homens.
- Não, vocês estão enganados, um banco é mais que um simples banco, é um monstro. Os homens fizeram os bancos, mas não os sabem controlar.
- Então vou matar o diretor do banco, o presidente.
- É, mas dizem que o banco recebe ordens do leste.
- Então, quem devo matar?
- Bem, talvez não haja a quem matar.
Sempre gostei de escrever, e algumas vezes, utilizava - mesmo inconscientemente - algumas figuras de linguagem para enriquecer o texto, ou para torná-lo menos óbvio, porém, naquela época, a sinestesia (transferência de percepções da esfera de um sentido para a de outro) era empregada para construir pensamentos, não para desconstruir convicções. Os ouvidos ouviam; as mãos sentiam; e os olhos viam e apreendiam, livres e desobstruídos. E um bom "olho no olho", valia mais que mil palavras. Um abraço.