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segunda-feira, 17 de março de 2008

Quanto custa a sua "indignação"?

O satisfatório deste espaço é a interação entre pessoas de lugares diferentes, opiniões diversas, que enriquecem o debate, e revelam o grau de desenvolvimento cultural em que nos encontramos. Particularmente, tenho aprendido bastante, e recorro aos visitadores, para tentar dirimir as dúvidas que suscitaram com as notícias veiculadas nos principais noticiários nesta semana. Um levantamento da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo demonstrou o nível de aprendizado deprimente dos alunos da rede pública de ensino. Até aí, nada de novo. Diariamente, somos bombardeados com as notícias – que parecem requentadas – com a mesma informação e retórica: o contribuinte paga altos impostos, e não recebe a contrapartida que justificaria esse pagamento. Até quando vamos assistir matérias de filas em hospitais, atendimentos médicos negligentes, ensino deficitário, na forma do velho e desgastado discurso denunciativo. De certa forma, estamos nos acostumando a ver e ouvir esses absurdos passivamente, apenas exprimindo comentários vagos como: “esse país não tem jeito”, “isso é uma vergonha”, etc. As reportagens dos grandes órgãos de imprensa não induzem à reflexão, apenas “denunciam”, mostram-se “indignados”, e vendem vultosos anúncios publicitários. Então, vamos às nossas reflexões. Se nos preocupamos tanto com educação e saúde, se ficamos perplexos com as notícias que nos chegam, de total incompetência estatal para suprir essas duas necessidades básicas, isso no estado mais rico da união, com estabilidade administrativa (há treze anos o mesmo partido político – PSDB – governa o estado), por que aceitamos a raivosa grita contra a ilha de Cuba e seu comandante Fidel Castro, desferida no mesmo noticiário. Reiteradamente, todos os problemas e supostas chagas do modelo político adotado por aquela nação são jogados sem escalas em nossos lares. Cuba, invariavelmente, é apontada como a legítima representante do atraso da civilização atual. Vamos aos fatos. Os prédios e automóveis cubanos podem estar “caindo aos pedaços”, porém, não existem pessoas morando debaixo da ponte, e os indicadores sociais aproximam o país do primeiro mundo. Cuba ocupa e 50º. lugar no índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, muito à frente do Brasil. De cada mil crianças cubanas que nascem, 7 morrem antes de completar cinco anos; no Brasil 34 morrem antes dos cinco anos. Em 1997, a UNESCO realizou estudo sobre a avaliação da qualidade de ensino em doze países latino-americanos. Os cubanos, que só estudam em escolas públicas, gratuitas, obtiveram resultados bem superiores aos outros. O Estado Cubano prioriza a medicina preventiva, e é país exportador de diversos medicamentos, e figura entre os que mais produzem produtos contra câncer, inclusive vacinas. Em 1993, o governo dos Estados Unidos autorizou um laboratório de lá a fazer um acordo com Cuba para a fabricação de vacina nos EUA, abrindo uma exceção pela primeira vez na estória do embargo. Esses fatos, nunca foram veiculados pelas grandes empresas de imprensa, que insistem em denegrir a imagem da ilha. Ajudem-me a compreender, qual “atraso” pretendemos para a nossa sociedade? Devemos seguir o pensamento da tendenciosa (para ser educado) revista Veja, com sua capa com a fotografia do presidente cubano e a manchete: “Já vai tarde”? Afora o desrespeito à opção de um povo que alcançou o nível social acima mencionado, que moral temos para acompanhar esse discriminatório raciocínio. Temos o direito de optar por andar com nossos automóveis modernos, construirmos nossos prédios imponentes, pagar por um convênio médico particular (que deveria ser obrigação estatal, segundo nossa Constituição), convivermos com uma juventude semi-analfabeta, e ouvirmos o governador do estado-membro mais rico da nação dizer que planeja fazer uma “operação de emergência” no ensino de matemática das escolas estaduais, dizendo ainda que “não se ensina direito matemática” e seria necessário estudar uma revisão metodológica. Isso depois de treze anos de administração do seu partido em São Paulo. Ora Serra, “Por que não se cala?” Pode-se enganar muita gente, durante um bom tempo; mas não toda a gente, para sempre. Um dia, independente da sua vontade, as pessoas vão refletir sobre a verdade da imprensa, a verdade dos órgãos oficiais, e a verdade dos sobreviventes! Um abraço!

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O debate sobre a CPI do sistema carcerário foi sensacional, muito gratificante mesmo, que satisfação e orgulho de viver em uma democracia.

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Róbson, Carla, Márcia, Camila: É melancolia mesmo, misturada a indignação e cidadania, revanchismo nunca. Mas, graças a Deus tenho vocês e minha família. Obrigado.

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Márcia: Pois só peço a Deus um pouco de malandragem (e paciência)... Um abraço.

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Carlos: Obrigado pelas citações e pelo comentário pertinente e competente. Um abraço.

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Paulo: Não concordo com suas convicções, mas lutarei com todas as forças pelo seu direito de dizê-las, seja bem vindo. Um abraço.

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Luiz Carioca: Muita boa a definição do neo-liberalismo, “foi na veia”. Um abraço.

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Celina: Também custo a acreditar na baixeza do pensamento de alguns seres, mas eles estão aí, e pior: formando opiniões, e nos representando em algumas casas legislativas. Estamos juntos, um abraço.

sábado, 1 de março de 2008

CPI do Sistema Carcerário

"A indiferença é uma prisão a que nos condenamos"
(Bertolt Brecht)


Está em andamento no país uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada pela Câmara dos Deputados Federais, que descreve seu objetivo final no site do Congresso Nacional, como: "... investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro, com destaque para a superlotação dos presídios, custos sociais e econômicos desses estabelecimentos, a permanência de encarcerados que já cumpriram pena, a violência dentro das instituições do sistema carcerário, a corrupção, o crime organizado e suas ramificações nos presídios e buscar soluções para o efetivo cumprimento da Lei de Execuções Penais. A grande imprensa tem noticiado, nas duas últimas semanas, as inúmeras viagens dos deputados para quase todos os estados brasileiros, e as "surpreendentes" constatações. A foto acima foi tirada na Cadeia Feminina da cidade de Bilac/SP, visitada pelos deputados federais Luiza Erundina e Jorge de Faria Maluly, os quais ficaram estarrecidos com as condições de sub-vida das presidiárias. A autoridade judicial local foi interpelada e a interdição daquele estabelecimento foi sugerida. Por sua parte, a deputada federal Cida Diogo (PT/RJ), visitou alguns estabelecimentos prisionais no estado de Minas Gerais, e em uma carceragem feminina da cidade de Belo Horizonte, detectou a superlotação e condições precárias das detentas (cerca de oitenta), que se amontoavam em um espaço onde caberiam apenas trinta. Também constatou as condições insalubres em que convivem os presos da carceragem masculina da cidade de Contagem/MG, os quais disputam espaço com ratos e baratas, desabafando com a seguinte frase: "eu não resisti, senti náuseas, cheguei a lacrimejar ao ver homens tratados como animais." Nos presídios da cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, o deputado Neucimar Fraga averiguou e verificou os problemas de violência e superlotação nas carceragens locais. O mesmo ocorreu em Teresina/PI. Uma comitiva de deputados federais, tendo a frente Raul Jungmann (PPS/PE), viajou emergentemente para a cidade de Ponte Nova/MG, onde teria ocorrido uma briga de facções criminosas, que culminou com a morte de 25 presos. Nesta unidade também há o problema da superlotação e demais mazelas deste sistema punitivo. A CPI em questão foi criada após o fato de uma menina ter sido encarcerada com homens, em uma cadeia do estado do Pará - sendo agredida e abusada reiteradamente - ser largamente discutido nos grandes veículos de comunicação. Porém, todos esses problemas quase inverossímeis, fruto dessa aberração social que é o nosso sistema penitenciário, existem há anos, e são de conhecimento da população. Não compreendo onde está o motivo para surpresa dos nossos representantes, que deveriam ao menos estarem bem informados sobre os problemas brasileiros. Aconselho aos nobres deputados que assistam aos documentários "O prisioneiro da grade de ferro", "Do lado de fora", "Justiça", "Notícias de uma guerra particular"; ou aos filmes "Quase dois irmãos", "Estação carandirú", "Quanto vale ou é por kilo", "Meu nome não é Johnny", "Cidade de Deus"; ou leiam aos livros "Letras de Liberdade", "As prisões da miséria", "Vigiar e Punir", "Direito Formal e Criminalidade"; que folheiem algumas teses acadêmicas que catalogaram e arquivaram o problema social em alguma estante universitária; ou que contatem algumas das ONG's sérias que trabalham com reinserção social de egressos do sistema; que conversem com integrantes das "Pastorais Carcerárias", ou que ouçam "Racionais MC's"; que debatam com quem já passou pelo drama do encarceramento; ou que andem na periferia e conversem com os moradores; que visitem alguma cadeia no seu próprio município. Aqui embaixo, no mundo real, esse problema já está "investigado", o que faltam são ações efetivas e discussão com idéias e projetos sobre o objetivo real dessa cruel segregagação. Sem hipocrisias e discursos prontos. Espero verdadeiramente, que esse enorme dispêndio de dinheiro público com tantas viagens, sirva para alguma coisa, e que o desfecho de tal comissão seja desviar o foco do encarceramento: da mera vingança pública, para a necessidade de proporcionar um objetivo de vida para o penitente. Ou alguém acredita que um preso vai ser recuperado em um sistema punitivo, vingativo e expiatório, sem nenhuma política verdadeira de recuperação e reinserção social, o qual perdura há séculos, com a conivência de todos nós? Para o encarcerado, é mais importante um trabalho que proporcione uma nova chance de vida, com educação, cultura, cidadania e consciência de seus atos, do que o local onde ele será meramente castigado. Um abraço!
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P.s.: Há aproximadamente 15 anos atrás, durante férias que passava em minha cidade natal (Araçatuba/SP), acompanhei os amigos Edna Flor e Edilson Sérgio Borella (na época lutadores incansáveis do Centro de Defesa de Direitos Humanos "Antônio Porfírio") à carceragem do 2o. Distrito Policial daquela comarca. No local, constatamos o incrível estado de degradação em que viviam os presos naquela cadeia. O município de Bilac/SP (onde a foto acima foi tirada), pertence à região de Araçatuba, onde o pai do "pasmado" deputado Jorginho Maluly - que ficou estupefato com as condições das presas - é prefeito e elegeu-se deputado federal por vários mandatos.
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"É preciso julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões."
(Dostoiévski)