Total de visualizações de página

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Contadores de histórias



Há poucos dias (exatamente há dez dias) completei os emblemáticos 40 anos de vida, e dentre reflexões, pensamentos, melancolias, agradecimentos e afins, percebi que realmente o espírito torna-se mais maleável com o conhecimento adquirido ao longo dos anos, e as costas calejam, invariavelmente, com as "pancadas da vida". Justamente em meio a esses desvarios, defronte ao painel que indicava as opções de minha arte preferida, resolvi dar uma chance ao "mago", pelo qual nutri uma antipatia intrinsica por anos. Explico, chamou-me a atenção o título do filme "Verônika decide morrer", mas quando li a sinopse e atentei-me para o fato da película ser uma adaptação de um livro do badalado Paulo Coelho, fui acometido por uma "catatonia" instantânea. Recordando a data festiva (40) e o desgastado brocardo: "a vida começa aos quarenta", decidi por de lado um suposto preconceito, ignorar uma intuição inata que repele os oportunistas e relembrar algumas composições que o "alquimista" fez em parceria com o ídolo de sempre Raul Seixas, e aceitei o desafio. Ao final do filme, conclui que se Veronika decidir morrer, realmente morrerá: de tédio. O velho "dom Paulete", como se referiu um dia Raul Seixas ao seu amigo continua o mesmo das colunas sobre fábulas - quase sempre orientais - com seus finais felizes que invariavelmente nos remete ao redundante moral da história... que publica em alguns jornais. Soube ao sair do cinema que este filme foi indicado a uma categoria do Oscar americano (só poderia ser mesmo), e aumentei minha indignação. A obra trata-se de uma armadilha de clichês e más interpretações, atenuados pela beleza da protagonista Sarah Michelle Gellar, que desponta em meio ao feio e evidente lugar comum da previsibilidade. Reflito sobre a quantidade de livros vendidos por Paulo Coelho; do seu sucesso na Europa e Estados Unidos; de sua petulância em postular um lugar na Academia Brasileira de Letras, mas, resigno-me frente aos fatos. Não tem como negligenciar o momento de carência, medo e ignorância pelo qual a sociedade contemporânea atravessa; e à lembrança de que José Sarney assenta seu traseiro em uma das cadeiras da ABL (embasado por seus "Marimbondos de Fogo"), onde já sentou-se Machado de Assis. Também assisti na semana passado ao filme "O contador de Histórias", que aborda a vida de Roberto Carlos Ramos (foto acima), o qual - por uma singela ingenuidade de sua genitora - passou a infância na famigerada FEBEM, e só teve sua tragetória de desventuras e agruras modificada por cruzar - em um momento de sua vida - com a francesa Margherit Duvas, que o alfabetizou e o levou para a França, de onde voltou para ensinar na própria FEBEM, e tornar-se, porteriormente, o maior contador de história do mundo. Esse filme - se comparado ao adaptado do livro do "mago" tinha tudo para cair no oceano de clichês, porém, sobrevive com galardia, e nos oferece uma obra com recursos lúdicos que descrevem com leveza, uma trama tão ácida. Essa, ao meu ver, é a diferença entre contadores de histórias e contos-do-vigário (ou do mago). E saber diferenciá-los (apreciá-los ou repelí-los) vai da ótica e intenção de cada um. No final do filme "Verônica decide morrer" um psiquiátra desvela toda a saturada trama ao revelar que mentiu sobre uma suposta doença terminal que a protagonista acreditava ter. Mentiu para que ela desse o verdadeiro valor a cada dia de sua vida e o vivesse como se fosse o último. Não precisava faltar com a verdade, à moda do mago, para dar o devido valor à vida, bastava mergulhar no universo dos adolescentes da FEBEM, como fez a francesa na vida de Roberto Carlos Ramos, denotando assepcia e dignidade à obra e à própria vida, atitudes tão em falta no nosso cotidiano. Um abraço!