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terça-feira, 5 de agosto de 2008

De volta ao calabouço da av. Zaki Narchi

Quando inicia-se um processo judicial, tudo pode ocorrer às partes envolvidas. A defesa é reduzida aos ritos previsíveis, automatizados e fugazes das audiências forenses. Dependendo de como o “monstro de papéis timbrados” vai tomando forma, reduz-se vertiginosamente as chances de defesa do acusado. Em primeira instância, há um “justiçamento” incessante, e somente à partir da segunda instância da justiça, passa-se a configurar-se um julgamento propriamente dito. Pertinente esclarecer o significado dado a dois verbetes da nossa língua, conforme os dicionários mais populares: justiça: “a virtude de dar a cada um aquilo que é seu”, e justiçar: “punir com a morte ou com suplício”. Isso tudo já me enojou o bastante para perder mais tempo com esse espetáculo dos “semi-deuses” togados, e de certa forma, essa luta contra o “leviatã”, é uma luta particular, da qual tenho convicção que sairei vencedor; ou ao menos, causarei alguma avaria nesse injusta, cruel, e covarde estrutura estatal. Porém, o que cabe a mim relatar é que depois de dois anos da minha inclusão no Presídio Especial da Polícia Civil, quando organizava aos poucos minha vida, e estancava as feridas familiares causadas pelo trauma do encarceramento, fui surpreendido novamente com uma ridícula reinclusão no P.E.P.C., referente ao mesmo processo, retornando ao calabouço da av. Zaki Narchi. Uma nova decisão de um juiz de segunda instância, pôs fim a esse novo martírio, após 22 dias, alegando novamente que não havia motivo para a prisão. Mas, minha intenção primordial é narrar de que forma reencontrei o presídio e os penitentes, atestando a ineficiência desse modelo punitivo, supostamente de recuperação, a que me referi no livro que escrevi, do qual disponibilizei alguns capítulos nos posts iniciais desse blog. A estrutura física do presídio está mais deteriorada, suja e insalubre. “Polaco” depois de 13 anos recluso naquela “masmorra” foi libertado, e como eu pressagiava no capítulo que escrevi sobre ele, o presídio perdeu uma importante parcela de “urbanidade”. Até a hora da refeição na “boqueta” (também descrita em outro capítulo do livro) está mais tensa e desorganizada. O lugar continua dominado pelo ócio naquele campo infértil de martírio humano. Os urubus continuam pousando na caixa d´água da Penitenciária Feminina da Capital. O ar continua pesado, causando o estranho efeito do corpo mover-se – fugindo da depressão – e o espírito chegar apenas alguns segundos depois, trazendo de volta a consciência e a vigilância. É impressionante viver isso, aquele lugar continua surreal. Os evangélicos continuam sectários e os espíritas resignados. Delegada Maria agora não ocupa mais o templo religioso para suas aulas. Por causa da falta de interesse dos detentos, agora ministra suas aulas em pé, no pátio, andando entre as “bancas”, discursando sobre cidadania, direitos e deveres ao vento, lutando muito para “arrancar” as assinaturas necessária para a continuidade do seu trabalho naquele estabelecimento prisional. Em uma quarta-feira, dia de visitas, três juízes corregedores estiveram no presídio. Acompanhados de dois funcionários, adentraram a velha biblioteca improvisada (e agora mais abandonada). Indaguei a um interno sobre a razão da presença das autoridades e ele respondeu-me que tratava-se de uma visita de praxe por causa da CPI do Sistema Carcerário. Alguns poucos detentos conversaram com os apáticos juízes, porém, focalizaram equivocadamente o que mais interessa aos presos, a execução criminal e a progressão de regime, em detrimento daquela inútil forma de expiação humana. A indústria da punição não pode parar, aos olhos da alienada massa de encarcerados, que segue desarticulada, mal informada, urrando as injustiças durante o dia, e clamando aos céus pela liberdade à noite, embalada pelo bonito hino dos evangélicos: ...”você tem valor, o espírito santo se move em você!” Mesmo que através da inércia da vida entre muralhas. Um abraço!