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terça-feira, 3 de março de 2009

Capitães da Areia


Neste final de semana passado, li o livro "Capitães da Areia", do escritor Jorge Amado. Não consegui parar de lê-lo desde as primeiras linhas. É impressionante como essas coisas se repetem em minha vida, sempre que tudo "está que é só escombros", alguma idéia ou boa leitura aparece como por encanto e me arrebata, levando à reflexão. Por mero acaso esse livro veio parar em minhas mãos. Veio através de minha mulher Patrícia, uma legítima "Capitã da Areia", que certamente não tinha a consciência da obra que carregava. Lera apenas as trinta e seis páginas iniciais e dissera-me com convicção: "estou achando esse livro a sua cara". Como não tenho conseguido dormir regularmente, cerrei os sentidos para as maldades cotidianas, para a fome e para a desesperança, e degustei o citado livro até o final, com um inevitável "nó na garganta". Um turbilhão de lembranças me acompanharam durante a leitura, numa estranha catarse. Lembrei-me da infância difícil e rude dos meus pais; das injustiças sociais; do poder infindável das elites e seu aparato para manter tudo obtuso como está, há séculos, nessa nossa iniqua e desleal sociedade. Lembrei-me do terrível percalço que se passou comigo, e de como me fechei para tudo que estava desmoronando (perda de trabalho, de minha casa, de minha dignidade) e escrevi meu livro em seis meses, porque segundo Clarice Lispector: existe o direito ao grito! Lembrei-me da vocação de minha irmã mais velha para a justiça social. De quando ela leu esse mesmo livro, há aproximadamente vinte e cinco anos atrás - o qual deve estar até hoje na estante da casa de meus pais - e ficou radiante, com o ímpeto de querer mudar alguma coisa, com a excitação e alegria que os livros sempre trouxeram a ela.
Não sei explicar o motivo, talvez seja pela comodidade de conhecer sua obra através das adaptações para cinema e televisão ("Gabriela Cravo e Canela"; A morte e a morte de Quincas Berro-D´água"; "Dona Flor e seus dois maridos"; "Tenda dos milagres"; "Tereza Batista cansada de guerra"; "Pastores da noite"...), mas o fato é que eu nunca tinha lido um livro do escritor Jorge Amado. Recordei-me de alguns velhos comunistas como Niemayer, Kfouri e o próprio Jorge Amado, e seus nobres ideais. Dos meus amigos petistas pré-poder, verdadeiros revolucionários, e seus desencantos com a política atual. E de como as relações humanas tornaram-se mesquinhas, oportunistas e sórdidas. Como pode, em uma sociedade que supostamente evoluiu e aperfeiçoou-se, os problemas, mazelas, negligências, injustiças, vilanias, hipocrisias e descasos sociais abordados nesta bela obra escrita em 1937, estarem tão atuais. Não sou excessivamente religioso, mas é até compreensível a sucessão de tragédias que mancham os noticiários diariamente. Chega a provocar náusea a encenação política em todas as esferas do poder público; a letargia do "populacho" cada vez mais alienado pelos órgãos de imprensa e entretenimento; e a mera catalogação de tudo isso pelos pesquisadores acadêmicos, no mundo universitário apartado da realidade. Existe nesse momento, uma legião de menores abandonados nas ruas das cidades brasileiras. Cruzamos com eles todos os dias. Nossa sociedade hoje é mais grave e mais complicada. Negligenciamos demais nossas crianças e é inimaginável uma solução imediata e eficáz. Pode parecer clichê para alguns, mas o problema está aí, e as consequências são diárias. Os poucos "Capitães da Areia" que conseguiram algum alento para suas vidas na ficção, hoje fracassariam. Quem manda é o mercado, o qual comprou o sindicato, o partido político, as artes, e enquadraria até o bando do temido cangaceiro "Lampião", que no livro é um verdadeiro herói para um dos meninos penitentes e abandonados.
No final do livro, Zélia Gattai (mulher de Jorge Amado), confidenciou que o autor, quando escreveu essa obra, foi dormir com os meninos no trapiche para conhecer os detalhes e adquirir um "olhar de dentro". Falta-nos comprometimento e coragem. Fiquemos com os vagos discursos. Um abraço!
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Patrícia, terminei de ler o livro meu amor, queria lê-lo para você, que é uma verdadeira "Capitã da Areia", minha guerreira! Nada é justo nesse mundo. Dá até medo de viver. Tá tudo dominado pelas elites, e nossa chance é mínima. Somos mais que tudo isso, mas, não basta. Te amo!